
Reforma Tributária fatiada: por que a reforma do Imposto de renda é equivocada
Na sexta-feira (25/04/2021), o Governo Federal apresentou a segunda “fatia” daquilo que chamou de Reforma Tributária fatiada. O foco das modificações foi a legislação do Imposto de Renda das pessoas físicas, jurídicas e investimento. A primeira fatia foi a proposta de unificação das contribuições PIS e COFINS (PL n° 3.887/2020). A segunda fatia recebeu na Câmara o número de PL n° 2.337/2021.
Partindo de um Governo identificado com ideias liberais, a reforma acabou surpreendendo porque de liberal, não tem nada. Os slides compartilhados na coletiva de imprensa são repletos de frases de efeito próprias dos movimentos de esquerda:
Apresentação do Ministério da Economia
Destaco algumas frases que considero as digitais da autoria de quem realmente concebeu o projeto de lei. Começo com o slogan principal:
Por um Brasil com impostos justos para gerar mais investimento, emprego e renda
A reforma inicia dizendo que almeja a justiça. Ora quem é contra a justiça? Quando se invoca o termo “justiça”, o orador sempre emprega o seu conceito de justiça que, por consequente, adotará os seus critérios de promoção da justiça. O texto prossegue utilizando as seguintes expressões:
“Sistema mais justo ao evitar que os mais ricos deixem de pagar imposto”.
“O sistema precisa ser mais justo para todos. A empresa não deve ter benefício por remunerar seus executivos com bônus em ações”.
“As reorganizações empresariais são, muitas vezes, utilizadas como forma para pagar menos impostos”.
“Pessoas mais ricas, que podem deixar o dinheiro parado por muito tempo, não podem ter mais benefícios por causa disso”.
Citei algumas frases. Existem outras tantas que demonstram que a proposta não foi formulada por uma equipe de matiz liberal. Desconfio que o Ministro da Economia nem leu ou não é liberal verdadeiramente.
Por que principio o texto com esta constatação? Por que fica claro que a Reforma Tributária foi concebida por servidores que assessoram o Poder Executivo há anos e repetem estratégias que não deram certo em nenhum lugar. Pior: estamos repetindo medidas que já foram implementadas em nosso país e não trouxeram o crescimento econômico desejado. Sempre repito a frase atribuída à Einstein para esse tipo de proposta:
“Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.”
Confesso que esperava que pela primeira vez se experimentaria uma reforma tributária liberal, buscando extrair resultados diferentes. A proposta de Reforma Tributária social-democrata apresentada poderia tranquilamente ter sido proposta pelo Governo do Fernando Haddad ou do Geraldo Alckmin caso tivessem sido eleitos, já que seus formuladores da política econômica defenderam os pilares da atual proposta.
Veja a proposta de reforma tributária disponível no site oficial do PT . A proposta conta com o apoio, além do PT, do PSOL, PCdoB, PDT, PSB e Rede e traz, entre outros pontos, a taxação de grandes fortunas, dos lucros e dividendos. Leia e veja se não há muita semelhança com a proposta apresentada. Em entrevista, o formulador da proposta econômica do candidato do PSDB, Persio Arida, sempre defendeu alguns dos temas apresentados na atual proposta. Veja por exemplo, esta entrevista concedida a Isto é.
Ocorre que o processo democrático refutou estes projetos. A proposta de reforma tributária defendida na campanha pelo atual Ministro da Economia não encampava nenhuma das ideias agora apresentadas. Parece-me, portanto, faltar legitimidade democrática para implementar um projeto de reforma que não foi eleito pelo povo.
De qualquer modo, vamos examinar os tópicos das alterações apresentadas. Esta é a exposição de motivos apresentada pelo Presidente da República ao Congresso
Vou utilizar a sequência dos temas apresentados no texto do Projeto de Lei.
- Fim da Dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio.
A dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL foi instituída pelo art. 9° da Lei n° 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Trata-se de uma alternativa para que as pessoas jurídicas obtenham financiamento por meio dos sócios e com isso reduzam o recolhimento do IRPJ e CSLL. A medida pode inclusive servir para estimular que os recursos sejam reinvestidos no próprio negócio. No entanto, os formuladores do projeto justificam a extinção com o seguinte argumento:
“Entretanto, a partir de análises das demonstrações financeiras das empresas brasileiras, verifica-se que o endividamento continua a ser a forma mais atrativa de financiamento da expansão empresarial, contrariando a ideia de que a medida aumentaria a atratividade de investimento em capital em detrimento de investimentos no mercado financeiro”.
Ora, se as empresas não utilizam o mecanismo, não há impacto na arrecadação. Logo, não há porque extinguir o permissivo legal. Porém, se o real motivo não é o declarado, a exposição de motivos deveria decliná-lo. Caso a intenção seja aumentar a arrecadação com a impossibilidade de dedução, poder-se-ia estabelecer um limite para a utilização do JSCP.
2. Tributação de lucros e dividendos.
Este tema vem sendo defendido por aqueles que vêm flagrante injustiça tributar o trabalhador assalariado e não tributar o sócio de pessoa jurídica. Residiria aqui a principal guinada em direção a um sistema tributário mais justo.
Escrevi em 2019 um artigo no jornal Valor Econômico que criticava a proposta. O debate desconsidera que não se pode comparar a obtenção da renda pelo trabalhador assalariado da renda obtida pelo empresário. Enquanto o empregado, servidor público têm assegurado os seus salários e percebem incidir sobre os seus rendimentos o imposto de renda da pessoa física, o empresário desenvolve sua atividade produtiva por meio de uma entidade denominada pessoa jurídica. Por que? Porque a atividade empresarial envolve risco e eventualmente o insucesso do empreendimento não pode comprometer o patrimônio da pessoa física. Essa é a razão histórica da criação das primeiras companhias e não é diferente no Brasil e em todos os lugares do mundo. Alguns países conferem esta proteção ao patrimônio do empresário e ainda não tributam a entidade. Nestes modelos, tributa-se o lucro distribuído ao sócio, o que faz todo o sentido.
No entanto, o Brasil fez uma opção distinta. Quando a isenção foi criada, o então Ministro da Fazenda explicou que se buscava “a completa integração entre a pessoa física e a pessoa jurídica, tributando esses rendimentos exclusivamente na empresa e isentando-os quando do recebimento pelos beneficiários”. Em outras palavras, ao invés de tributar o rendimento da atividade empreendedora em dois momentos (primeiro na empresa, depois no sócio), simplificou-se o regime e passou-se a tributar apenas na pessoa jurídica.
Não é correto falar em tratamento desigual entre trabalhador assalariado e empresário, pois enquanto o trabalhador assalariado possui as garantias da irredutibilidade dos salários, décimo terceiro, férias, fundo de garantia, repouso semanal remunerado; o empresário possui a expectativa de auferir lucro apenas se for bem-sucedido. Logo, não são situações equivalentes.
Um segundo equívoco cometido pelos detratores do regime atual reside na alegação que o Brasil seria o único país do mundo a não tributar a distribuição de lucros e dividendos. Como dito, o Brasil tomou a decisão política de tributar os rendimentos da atividade empresarial num único momento. Poderia ter adotado o modelo norte-americano que tributa, na imensa maioria dos regimes, apenas a pessoa física, pois adota-se um modelo de “pass-through entity”, isto é, a pessoa jurídica é desconsiderada para efeitos de tributação. Tomando ainda o modelo estadunidense, alguns comentaristas tomam apenas o regime de tributação das “C Corporations”, no qual há tributação na pessoa jurídica e também na distribuição aos sócios para bradar que “até mesmo os Estados Unidos tributam a distribuição de lucros”. O erro está em tomar a exceção como regra, além de deixar de mencionar que a carga tributária somada (tributação na jurídica e física) não alcança a carga tributária atualmente imposta às pessoas jurídicas brasileiras.
Apressou-se em defender a proposta o Secretário da Receita Federal. Terá sido um dos autores do projeto? O que importa é que o argumento defendido por ele é que não se pode somar a incidência da tributação da pessoa jurídica com a tributação dos lucros e dividendos. Na visão míope do Secretário, uma coisa é a incidência na PJ, outra coisa é a incidência na PF. Nesta falácia até o Chicago Boy, Paulo Guedes, embarcou. Teria dito o super ministro: “quem ganha dividendo não pode reclamar de pagar 20{4d8a33db6a4f8be63685ca5f99243683488ab0823bc8dec57f535eb4999d33da}”. Ora, ilustres burocratas, é possível arriscar o capital e não sofrer a incidência do imposto sobre a pessoa jurídica? Tem como empreender sem sofrer a incidência do IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, Contribuição previdenciária, etc? Se existir esta opção, por favor me apresentem, pois desconheço. É elementar que para o desenvolvimento de qualquer atividade produtiva que vise o lucro que se constitua uma pessoa jurídica que será fortemente tributada e se o empreendimento tiver sucesso (é preciso esclarecer para os burocratas que nem sempre se consegue ter lucro, pois parecem desconhecer isso), somente neste cenário haverá lucro a ser distribuído. Então o pressuposto para a distribuição de lucros é o pagamento dos tributos incidentes sobre a receita, folha e lucro que ocorre antes da distribuição e, portanto, impacta no valor a ser distribuído. Como não calcular os tributos da pessoa jurídica?
3. Redução da alíquota do IPRJ.
O aumento da tributação gerado pelo projeto é, segundo seus defensores, neutralizado com a redução gradual do imposto de renda da pessoa jurídica. Ao final de dois anos, será reduzido cinco pontos percentuais do IRPJ, mas já no primeiro ano será instituído o imposto de renda em 20{4d8a33db6a4f8be63685ca5f99243683488ab0823bc8dec57f535eb4999d33da} na distribuição de lucros e dividendos. Há proporcionalidade? Sem comparar os dados mantidos pela Receita Federal, não parece equivaler a alteração.
4. Regras antidiferimento.
Buscando evitar que as pessoas físicas represem rendimentos em offshores, os arts. 6o e 7o do Projeto de Lei instituem o regime de tributação automática sobre os lucros auferidos por controladas de pessoas físicas, desde que estejam localizadas em país ou dependência favorecida ou sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado. É importante destacar que o relatório final da Ação 3 do Projeto BEPS, que analisou as regras de tributação de controladas no exterior, recomenda que essas regras sejam aplicadas às demais pessoas e entidades não corporativas. A proposta busca alinhar o tratamento conferido às pessoas jurídicas que já se submetem a tais regras. Aqui se está tratando de uma parcela diminuta de contribuintes que possuem recursos no exterior. No entanto, minha opinião é contrária ao reconhecimento da disponibilidade econômica ou jurídica de forma fictícia sob o pretexto de alinhamento ao BEPS.
5. Prejuízo fiscal.
A pretexto de simplificar o sistema tributário, a proposta extingue o regime de apuração anual do IRPJ e CSLL, tornando obrigatória a apuração trimestral. Para compensar a extinção do regime anual, a proposta alega que será extinta a chamada trava dos 30{4d8a33db6a4f8be63685ca5f99243683488ab0823bc8dec57f535eb4999d33da}. Diz a exposição de motivos:
5.3. Para mitigar este problema, compensando eventuais danos que poderiam ser gerados aos contribuintes, o art. 10 do Projeto de Lei altera a Lei no 9.065, de 20 de junho de 1995, de forma a permitir que o prejuízo apurado em um trimestre seja compensado nos três trimestres posteriores sem a limitação de 30{4d8a33db6a4f8be63685ca5f99243683488ab0823bc8dec57f535eb4999d33da} (trinta por cento).
Ocorre que a trava não foi extinta. O prejuízo apurado num trimestre pode ser compensado nos próximos três trimestres. Caso o prejuízo seja superior ao lucro apurado, ficará acumulado e se submeterá à trava dos 30{4d8a33db6a4f8be63685ca5f99243683488ab0823bc8dec57f535eb4999d33da}. Além disso os prejuízos acumulados seguem sujeitos ao limitador. Então é falaciosa a proposta.
6. Aproximação da base de cálculo da CSLL do IRPJ
A proposta de reforma promete simplificação. Salvo a aproximação da apuração do IRPJ da CSLL, não há nada de simplificação. A verdade é que tributamos duas vezes o lucro das nossas empresas e acabamos achando isso normal. Quando os burocratas propõem fazer o óbvio, isto é, utilizar os mesmos critérios para apuração de ambos os tributos, não há o que comentar. A dupla tributação do lucro tem uma razão nada nobre. A União quer ficar com a arrecadação sozinha. Caso fosse extinta a CSLL e aumentado o IRPJ nos exatos nove pontos percentuais, a arrecadação deveria ser dividida com Estados e Municípios, conforme determina a Constituição. Para não dividir, a União criou a CSLL que tributa rigorosamente a mesma base econômica. Mas como a maldade não viria sozinha, os burocratas criaram dois regimes de apuração com particularidades. Quando alguém com lucidez por fim a duplicidade aí sim poderemos falar em avanço.
7. Obrigatoriedade do lucro real.
O Projeto de Lei impõe o lucro real para as seguintes atividades:
Art. 12. A Lei no 9.718, de 27 de novembro de 1998, passa a vigorar com as seguintes alterações: n“Art. 14.
VII – que explorem as atividades de securitização de créditos;
VIII – cuja receita bruta no ano-calendário anterior, decorrente de royalties ou de administração, aluguel ou compra e venda de imóveis próprios, represente mais de 50{4d8a33db6a4f8be63685ca5f99243683488ab0823bc8dec57f535eb4999d33da} (cinquenta por cento) da receita bruta do mesmo ano; e IX – que tenha como atividade ou objeto principal a exploração de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz. n§ 1o Para efeitos de determinação do percentual de que trata o inciso VIII do caput, serão excluídas as receitas decorrentes de:
I – royalties de operações de distribuição, licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador (software); e
II – operações de incorporações imobiliárias. n§ 2o Para fins do disposto no inciso VIII do caput, consideram-se também as receitas auferidas pela pessoa jurídica decorrentes de aluguel dos imóveis que sejam de propriedade de:
I – sócio ou titular da pessoa jurídica;
II – sócio ou titular de pessoa jurídica que participe do capital social da pessoa jurídica que aufere as receitas de aluguel;
III – pessoa física que, sem participar no capital social da pessoa jurídica que aufere a receita de aluguel, seja titular de direitos que lhe assegurem perceber, sob qualquer forma, os benefícios econômicos decorrentes da participação, tais como lucros e dividendos e, na hipótese de sua liquidação, os seus ativos;
IV – conselheiro ou administrador da pessoa jurídica; e
V – cônjuge, companheiro, parente, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, das pessoas a que se referem os incisos I a IV.
§ 3o A obrigatoriedade de que trata o inciso IX do caput dar-se-á quando o autor, titular ou depositante do direito seja:
I – sócio ou titular da pessoa jurídica;
II – sócio ou titular de pessoa jurídica que participe do capital social da pessoa jurídica que explora o direito patrimonial;
III – pessoa física que, sem participar no capital social da pessoa jurídica que explora o direito patrimonial, seja titular de direitos que lhe assegurem perceber, sob qualquer forma, os benefícios econômicos decorrentes da participação, tais como lucros e dividendos e, na hipótese de sua liquidação, os seus ativos;
IV – conselheiro ou administrador da pessoa jurídica; ou
V – cônjuge, companheiro e parente, consanguíneo ou afim, até terceiro grau, das pessoas a que se referem os incisos I a IV.” (NR)
Em português claro, sob o pretexto de “justiça fiscal” está o intento de aumentar a carga tributária destas atividades. É sabido que o regime de apuração do lucro presumido favorece estas atividades e em razão do favorecimento é que tais empreendimentos se tornam viáveis. Impor o pior regime significa aumentar a carga tributária, o que poderia ser feito se fosse transparente e explícito. Sob rótulos simpáticos de “justiça” pode-se condenar algumas atividades empresárias porque a reforma não quis enfrentar o verdadeiro problema do sistema tributário brasileiro que é a alta complexidade e elevada carga.
8. Mais valia e Good-will.
Este ponto é um pedido da Receita Federal para poder encerrar o debate no contecioso tributário. A legislação confere tratamento ao ágio por lei. Os contribuintes se utilizaram do permissivo legal e hoje sofrem autuações milionárias acusados de forma irresponsável de “sonegadores”. Este debate é uma discussão técnica sobre o tratamento contábil e fiscal da mais-valia. O projeto pretende restringir o uso da permissão legal e extinguir em alguns casos. Novamente, estamos falando de aumento da tributação, ainda que seja sob o rótulo de “corrigir distorções”. Afinal, quem criou a “distorção”? Ao se utilizar da norma jurídica o contribuinte se torna desprezível? Este é o nível razo do debate político que será travado no Congresso.
9. Aquisição de participação societária adicional em empresa controlada.
Este é outro tema que gera debate no contencioso tributário. A Receita Federal que pode se sentar a mesa da negociação do projeto de lei apresentou suas propostas para encerrar o litígio. Advinhe quem ganharia segundo estas novas regras?
Em síntese, propõe-se permitir que o excesso registrado em conta de patrimônio líquido seja considerado no valor contábil do investimento, mas com uma restrição semelhante à imposta ao goodwill, ou seja, presumindo uma realização de 1/60 (um sessenta avos) a cada mês subsequente à aquisição do investimento.
10. Prazo de dedutibilidade da amortização de ativos intangíveis.
A dedutibilidade da amortização dos intangíveis não tem prazo mínimo, configurando lacuna normativa apta a permitir a adoção de estratégias abusivas. Dessa forma, no § 1o do art. 41 da Lei no 12.973, de 2014, estabelece-se um prazo mínimo de dedutibilidade de 20 (vinte) anos. Nova restrição imposta que se reflete em aumento disfarçado da carga tributária.
11. Variação cambial sobre investimentos no exterior
Segundo o texto da exposição de motivos, a proposta apresenta, ainda, regra para disciplinar a variação cambial registrada na contabilidade sobre investimentos no exterior. A legislação atual não apresenta regra clara no que diz respeito aos efeitos dessa variação cambial na apuração do ganho ou perda de capital na baixa da participação societária. Essa variação cambial distorce a apuração dos ganhos ou perdas de capital apurados pela investidora, uma vez que não corresponde a um ganho ou perda obtido pela investida, que eventualmente merecesse compor o custo do investimento na apuração do ganho ou perda de capital auferido pela investidora. Trata-se de uma correção cambial realizada pela investidora e não de um genuíno resultado de equivalência patrimonial sobre os ganhos e perdas efetivamente obtidos pela investida. Nesse contexto, a proposta prevê que a variação cambial de investimentos no exterior não deve integrar o custo do investimento no momento da apuração do ganho ou perda de capital.
12. Devoluções de Participações no Capital Social
O projeto, em síntese, acaba com a possibilidade de restituir participação no capital social por meio da entrega de bens pelo valor registrado na contabilidade. Com a nova regra, a devolução deverá ser feita pelo valor de mercado. Novamente, trata-se de regra para aumentar a tributação e isso precisa ser dito claramente. Ao contrário, fala-se novamente em corrigir “distorções”. Reitero: quem criou a distorção? Alterar a norma é majorar a tributação. A autorização que vigora apenas difere o recolhimento do imposto sobre o ganho de capital. Pela nova regra, o recolhimento deverá ocorrer na devolução, tributando-se como receita da entidade.
13. Integralização de Capital em Pessoas Jurídicas e Outras Entidades no Exterior
No que diz respeito às operações de integralização de capital de pessoas jurídicas ou outras entidades residentes ou domiciliadas no exterior, a proposta passa a exigir que os ativos utilizados pelo contribuinte nestas operações sejam avaliados a valor de mercado. Com isso, quando o contribuinte, seja ele pessoa física ou jurídica, conferir ativos ao capital de entidades residentes ou domiciliadas no exterior, a proposta passa a exigir que haja a mensuração desses ativos a valor de mercado, sujeitando a operação à apuração de ganho de capital e exigindo a sua tributação pelo Imposto sobre a Renda e pela CSLL. Como se chama essa correção de distorção mesmo? Sim, você já aprendeu: aumento da tributação.
14. Regime de Apuração das Sociedades em Conta de Participação – SCP
Aqui vem nova correção de “distorção”. Porque a proposta não fala claramente: queremos tributar mais quem se utiliza de Socidade em Conta de Particpação? É óbvio que não é simpático. Em suma, a proposta obriga a SCP a adotar o mesmo regime aplicável ao sócio ostensivo. Combinada com a obrigatoriedade do lucro real, haverá aumento da carga tributária.
15. Ganho de Capital Indireto
Embora a legislação brasileira tenha o objetivo de tributar o ganho de capital gerado nas transferências desses ativos, a legislação atual apresenta disciplina apenas para as situações de alienações diretas, ou seja, quando o residente no exterior, proprietário direto dos ativos no Brasil, efetua a alienação para um terceiro. Não há dispositivo específico, direcionado para as alienações indiretas, em que se efetua a venda de entidades intermediárias, situadas no exterior, que detêm, direta ou indiretamente, o ativo localizado no Brasil. A inexistência de norma específica gera risco de evasão tributária, incoerência no sistema tributário e insegurança jurídica. Trata-se de medida de alinhamento às práticas preconizadas pela OCDE, mas que olhando internamente prejudicam a competitividade do Brasil na atração de investimento estrangeiro. Parabéns aos envolvidos.
16. Pagamento Baseado em Ações
O art. 33 da Lei no 12.973, de 2014, considera o valor da remuneração dos empregados e similares registrados em decorrência de pagamentos baseados em ações como não dedutível. A proposta restringe a dedução a empregados e proibindo em relação à executivos e dirigentes. Aqui advinhe o termo usado para justificar a limitação? Corrigir “distorções”. Já sabe….
17. Revogação da Dispensa da Escrituração Comercial para o Lucro Presumido
A primeira página da apresentação do Projeto de Reforma do IR fala em simplificação. Pelo que já falamos, perceberam que simplificação não tem nada.
Pelo contrário, o projeto propõe ampliar o regime do lucro real e, no ponto aqui comentado, impor obrigações tributárias acessórias às empresas do lucro presumido. A justificativa é constrangedora. Veja o motivo alegado:
Tal dispensa, até certo ponto, representava uma simplificação necessária para as pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido, bem como para a própria administração tributária. À época, a obrigatoriedade da escrituração comercial representava uma obrigação até certo ponto onerosa para a maioria das pessoas jurídicas aptas à opção por esse regime de tributação.
17.1. Contudo, tendo em vista que, atualmente, o limite da receita total anual, para fins de opção pelo lucro presumido, é de R$ 78 milhões, o que abrange pessoas jurídicas que apresentam um volume considerável de operações e que exibem estrutura administrativa robusta, as quais, no contexto brasileiro, não podem ser consideradas de pequeno porte. Ademais, há um maior número de atividades econômicas desenvolvidas por pessoas jurídicas aptas à tal opção, tais como, atividade imobiliária, holdings empresariais e gestão de ativos não-financeiros. Em verdade, tem-se que o alcance do lucro presumido ganhou contornos quantitativos e qualitativos diferentes.
Em resumo, os burocratas entendem que empresa grande deve se ralar mesmo. Se o empresário teve êxito deve fazer o trabalho que deveria ser do fisco. Se houvesse alguma pessoa com lucidez na equipe que elaborou o projeto teria alertado que o aumento da complexidade da tributação vai nos colocar em posição pior no ranking mundial de competitividade. Esse medida só irá assegurar os primeiros lugares no índice de complexidade tributária. Será que alguém percebeu isso?
Adiante o texto explica o real motivo de ampliação do custo de conformidade:
17.2. Ressalte-se que essa alteração é necessária para a verificação da tributação dos lucros e dividendos distribuídos. Como a base de incidência do IRRF é o lucro contábil distribuído, a Administração Tributária deverá acessar a escrituração contábil da empresa para atestar a correta aplicação do novo dispositivo.
Em suma, o Fisco vai criar mais obrigações tributárias acessórias para fiscalizar o contribuinte de uma nova incidência que não existia. Na prática eleva-se a carga tributária e igualmente amplia-se a complexidade criando novas exigências para os contribuintes.
A exposição de motivos defende que não trará muita dificuldade ante “os inúmeros avanços tecnológicos”. Avanços de quem, cara pálida?
O Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), a pretexto de facilitar a vida do contribuinte, criou inúmeros processos e registros que dificultam a vida do empreendedor. Pergunte para algum contador se a apuração e escrituração contábil ficou mais fácil com o SPED! Os avanços ocorreram mas foram resposta à complexidade criada pelo Fisco. A um elevado custo, os contribuintes precisaram desenvolver tecnologia para fazer algo que não precisariam fazer mas se tornou obrigação legal.
18. Imposto sobre a Renda incidente nas operações realizadas nos mercados financeiros e de capitais
A proposta de reforma do Imposto de Renda, em poucas palavras, unifica a alíquota do imposto de renda em 15{4d8a33db6a4f8be63685ca5f99243683488ab0823bc8dec57f535eb4999d33da} para todos os ativos. Aparentemente tem-se um ponto positivo para simplificação da tributação. Além disso, a uniformização da alíquota gera a desejada neutralidade na tomada de decisão, de modo que o investidor não irá investir no ativo A ou B por conta da tributação mais favorecida.
No entanto, as melhorias acabam aqui.
Novamente o texto fala em corrigir “distorções”. Sei que estou sendo chato, mas já sabe o que isso significa, não é? Aumento de tributação para alguns contribuintes. No caso específico, os fundos fechados passarão a ter o mesmo tratamento dos fundos de investimento aberto. Veja a proposta:
Nesse sentido, o art. 35 estabelece a incidência do imposto sobre os rendimentos acumulados até 1o de janeiro de 2022 pelas carteiras de fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio fechado e estabelece uma alíquota reduzida se o contribuinte recolher o tributo em cota única até o terceiro dia útil subsequente ao decêndio de ocorrência do fato gerador. Hoje, no caso dos fundos constituídos sob a forma de condomínio fechado, a regra tributária prevê a incidência quando o cotista recebe rendimentos por amortização de cotas ou resgate de cotas. A nova regra a ser estabelecida define a incidência na fase anterior à amortização ou ao resgate à medida em que os rendimentos são auferidos, tal como ocorre nos fundos de investimento abertos.
No caso dos fundos imobiliários, este investimento veio a cair nas graças dos investidores especialmente pelo incentivo tributário. Como a intenção é passar a tributar, muito provavelmente este importante veículo de investimento na construção civil será penalizado.
19. Tributação da Renda das Pessoas Físicas n
Basicamente a modificação do imposto de renda das pessoas físicas pode se resumir a três pontos:
(a) correção da tabela
(b) limitação do uso da declaração simplificada.
(c) Atualização dos valores dos imóveis declarados mediante o pagamento de imposto de renda na proporção de 5{4d8a33db6a4f8be63685ca5f99243683488ab0823bc8dec57f535eb4999d33da} calculado sobre a diferença entre o valor histórico e o valor atualizado.
O Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais) possui um estudo que identifica uma defasagem de 113{4d8a33db6a4f8be63685ca5f99243683488ab0823bc8dec57f535eb4999d33da} na tabela do imposto de renda. Pelo fato de não sofrer correção monetária, o Governo beneficia-se da inflação elevando automaticamente a arrecadação pelo mero efeito da inflação. No Estudo apresentado, compara-se a tabela vigente com aquela que deveria ser aplicada com as correções devidas:

A proposta apresentada corrige a defasagem criada pela inflação de forma muito tímida, como se pode observar na tabela abaixo reproduzida:

Como se pode ver, a reforma tributária tem muito pouco de avanço para o contribuinte. Trata-se de mais um remendo para aumentar a arrecadação e sustentar o paquidérmico estado brasileiro. A ideia de reforma fatiada me fez recordar uma antiga canção dos Titãs chamada “Comida” que diz:
A gente não quer só comer
A gente quer comer e quer fazer amor
A gente não quer só comer
A gente quer prazer pra aliviar a dor
A gente não quer só dinheiro
A gente quer dinheiro e felicidade
A gente não quer só dinheiro
A gente quer inteiro e não pela metade
Arnaldo Antunes / Marcelo Fromer / Sérgio Britto
Quem sabe alguém algum dia perceba que não existe essa história de dinheiro público e todo o dinheiro adminsitrado pelo Governo é dinheiro do pagador de tributos que deve primeiramente ser consultado como preconizavam a mais remotas legislações e assim está estampado em nossa Constituição.