Dedução de despesa com geriatria na declaração do Imposto de Renda
O aumento na expectativa de vida faz com que cada vez mais pessoas necessitem de cuidados especiais na melhor idade e clínicas geriátricas não são baratas. Muitos idosos passaram (seja por necessidade, seja por livre manifestação de vontade) a buscar estabelecimentos adaptados para atender o público desta faixa etária. Com isso, tornou-se comum o questionamento acerca da possibilidade de dedução das despesas com geriatrias e casas de repouso no momento de preenchimento da declaração de ajuste anual do Imposto de Renda . Na tentativa de responder esta dúvida, elaboramos o presente artigo.
Por EDERSON PORTO e Artur Schmitz
A legislação brasileira prevê, acertadamente, a possibilidade de deduzir da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) os gastos com despesas relacionadas à saúde do contribuinte e de seus dependentes. O Art. 8° da Lei n° 9250/95 dispõe:
Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas:
I – de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não-tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva;
II – das deduções relativas:
a) aos pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias;
b) a pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, efetuados a estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil, compreendendo as creches e as pré-escolas; ao ensino fundamental; ao ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual individual de: (Redação dada pela Lei nº 11.482, de 2007) (Vide Medida Provisória nº 2.159-70, de 2001)
Este artigo foi regulamentado pelo Decreto 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda):
Art. 73. Na determinação da base de cálculo do imposto sobre a renda devido na declaração de ajuste anual, poderão ser deduzidos os pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, e as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias ( Lei nº 9.250, de 1995, art. 8º, caput, inciso II, alínea “a” ).
§ 1º Para fins do disposto neste artigo ( Lei nº 9.250, de 1995, art. 8º, § 2º ):
I – aplica-se, também, aos pagamentos efetuados a empresas domiciliadas no País destinados à cobertura de despesas com hospitalização, médicas e odontológicas, e a entidades que assegurem direito de atendimento ou ressarcimento de despesas da mesma natureza;
II – restringe-se aos pagamentos efetuados pelo contribuinte relativos ao próprio tratamento e ao de seus dependentes;
III – limita-se aos pagamentos especificados e comprovados, com indicação do nome, do endereço e do número de inscrição no CPF ou no CNPJ de quem os recebeu, e, na falta de documentação, ser feita indicação do cheque nominativo pelo qual foi efetuado o pagamento;
IV – não se aplica às despesas ressarcidas por entidade de qualquer espécie ou cobertas por contrato de seguro; e
V – na hipótese de despesas com aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias, exige-se a comprovação com receituário médico e nota fiscal em nome do beneficiário.
§ 2º Na hipótese de pagamentos realizados no exterior, a conversão em moeda nacional será feita por meio da utilização do valor do dólar dos Estados Unidos da América, estabelecido para venda pelo Banco Central do Brasil para o último dia útil da primeira quinzena do mês anterior ao do pagamento.
§ 3º Consideram-se dedutíveis como despesas médicas os pagamentos relativos à instrução de pessoa com deficiência física ou mental, desde que a deficiência seja atestada em laudo médico e que o pagamento seja efetuado a entidades destinadas a pessoas com deficiência física ou mental.
§ 4º As despesas de internação em estabelecimento para tratamento geriátrico somente poderão ser deduzidas se o estabelecimento for qualificado como hospital, nos termos da legislação específica.
§ 5º As despesas médicas dos alimentandos, quando realizadas pelo alimentante em decorrência de cumprimento de decisão judicial ou de acordo homologado judicialmente, ou de escritura pública a que se refere o art. 733 da Lei nº 13.105, de 2015 – Código de Processo Civil , poderão ser deduzidas pelo alimentante na determinação da base de cálculo da declaração de ajuste anual ( Lei nº 9.250, de 1995, art. 8º, § 3º ).
Muito embora o Regulamento do Imposto de Renda tenha esclarecido o âmbito de abrangência da dedução, a restrição estabelecida por decreto acaba por reduzir a possibilidade de abatimento para uma parcela muito pequena da população que possui condições de ter acesso à clínicas geriátricas equiparadas a hospitais. A grande maioria das casas geriátricas e das casas de repouso não apresenta estrutura hospitalar e, portanto, o seus pacientes não possuiriam direito de realizar as deduções em questão. Uma série de contribuintes já foram glosados pela Receita Federal por terem realizado estas deduções. E adivinhem? Nova onda de demandas repetitivas aporta ao Poder Judiciário. Considerando que as despesas com geriatrias são invariavelmente elevadas e considerando que a renda do idoso acaba sendo integralmente comprometida com o pagamento dos cuidados especiais, nada mais razoável que a parcela comprometida com o custeio da geriatria não integre a base de cálculo do imposto de renda.
Felizmente o Poder Judiciário tem corrigido a equivocada interpretação da Administração Tributária e vem reconhecendo o direito de deduzir os gastos com clínicas geriátricas do imposto de renda do ano-base. O Tribunal Regional da 4ª Região já enfrentou o tema:
TRIBUTÁRIO. DEDUÇÃO DE DESPESAS NA DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. DESPESA COM LAR GERIÁTRICO. POSSIBILIDADE. 1. A dedutibilidade das despesas próprias ou de dependentes com as casas de repouso para idosos, ou tratamento geriátrico, não exige que o estabelecimento seja enquadrado como hospital, como previsto no art. 73, § 4º, do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 9.580/2018). 2. A qualificação dos serviços, voltados ao cuidado com a saúde física e mental, já autoriza a dedutibilidade com suporte na alínea “a” do inciso II do art. 8º da Lei 9.250/95. Consoante precedente do TRF4: “A dedução aplica-se para entidades que garantam aos idosos cuidados diferenciados, mediante o oferecimento de serviços voltados à proteção da saúde física e mental para assegurar a dignidade da pessoa humana, concretizando o limite material do imposto sobre a renda, que exclui da sua incidência o mínimo existencial” (1ª Turma, 5000331-17.2016.4.04.7200, Relator Juiz Federal Alexandre Rossato da Silva Ávila, juntado aos autos em 28/05/2018). 3. Recurso da parte ré desprovido. ( 5034965-77.2018.4.04.7100, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS, Relator ANDREI PITTEN VELLOSO, julgado em 08/08/2019)
IMPOSTO DE RENDA. DESPESAS DEDUTÍVEIS. DEPENDENTES. CASAS DE REPOUSO DE IDOSOS. 1. A dedutibilidade das despesas próprias ou de dependentes com as casas de repouso para idosos, ou tratamento geriátrico, não exige que o estabelecimento seja qualificado como hospital. 2. A dedução aplica-se para entidades que garantam aos idosos cuidados diferenciados, mediante o oferecimento de serviços voltados à proteção da saúde física e mental para assegurar a dignidade da pessoa humana, concretizando o limite material do imposto sobre a renda, que exclui da sua incidência o mínimo existencial. 3. O simples atendimento para suprir necessidades de alojamento, alimentação e lazer não autoriza a dedução porque não direcionados à proteção de direitos fundamentais da pessoa humana. 4. Mantida a sentença que anulou o crédito tributário decorrente da glosa das despesas e declarou o direito à dedutibilidade. (TRF4 5000331-17.2016.4.04.7200, PRIMEIRA TURMA, Relator ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, juntado aos autos em 28/05/2018)
Neste sentido, o TRF4 julgou ser perfeitamente possível a dedução das despesas com casas de repouso e geriatrias do imposto de renda do ano-base, privilegiando a redação do artigo 8º, Inciso II, alíneas a e b da Lei 9.50/98, afastando as limitações ilegais previstas no Decreto 9580/2018.
Recentemente, a Turma Recursal de Uniformização de Jurisprudência do TRF 4, ao julgar um pedido de uniformização de jurisprudência n° 5005972-66.2019.4.04.7107/RS, reconheceu a possibilidade de dedução da despesa com clínica geriátrica. Segundo o entendimento da TRU que “a intenção do legislador foi a de garantir a dedução de despesas médicas com os profissionais enumerados, bem como entidades que assegurem direito de atendimento ou ressarcimento de despesas da mesma natureza.”
Com o julgamento do pedido de uniformização, fixou-se a seguinte tese:
“a dedução de despesas com saúde aplica-se à entidades que garantam aos idosos cuidados diferenciados, mediante o oferecimento de serviços voltados à proteção da saúde física e mental para assegurar a dignidade da pessoa humana. Os autos devem retornar à Turma Recursal de origem para adequação do julgado à tese firmada.”
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TRU) Nº 5005972-66.2019.4.04.7107/RS
Portanto, considera-se que há, claramente, a possibilidade de deduzir do IRPF as despesas com clínicas geriátricas e casa de repouso não equiparados a hospital.