Quem assessora famílias com ativos sediados no exterior deve ter no portfólio a possibilidade de utilização de um instituto comum no direito norteamericano, mas desconhecido no ordenamento pátrio: é a figura do Trust. Trata-se de uma entidade formalizada por um contrato, na qual o instituidor (settlor ou grantor) aporta bens e direitos que serão administrados pelo “trustee” e no evento convencionado serão destinados ao beneficiário ou beneficiários.
Este contrato celebrado não se equipara a uma pessoa jurídica, assemelhando-se mais a um fundo ou condomínio para tentar aproximar o instituto alienígena da realidade brasileira. Reside nesta singularidade a vantagem de instituição do trust, pois o patrimônio ali depositado não pertence mais ao doador, porém o “settlor” possui a prerrogativa de liquidar o trust quando bem entender. Ao transferir a propriedade dos bens para o trust, o doador não responde mais pelos bens e inclusive do ponto de vista da incidência de tributos sobre o patrimônio. Quando ocorre o evento de transferência para os beneficiários, igualmente fica dispensado o recolhimento de tributos pois esta operação não configura transmissão em razão da morte.
Ocorre que a Receita Federal emitiu Solução de Consulta n° 41 em março de 2020 através da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) para afirmar que os valores recebidos pelos beneficiários dever ser tributado pelo imposto de renda:
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF RENDIMENTO RECEBIDO DE FONTE NO EXTERIOR. O recebimento de rendimentos oriundos do exterior por residente no País é fato gerador do imposto sobre a renda e sujeita-se à tributação mensal mediante a aplicação da tabela progressiva mensal (carnê-leão) e na Declaração de Ajuste Anual. Dispositivos Legais: Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 43, Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, arts. 7º e 8º, Lei nº 7.713, de 1988, art. 8º, Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/2018) arts. 118, caput, 119 e 120, aprovado pelo Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018, e Instrução Normativa RFB nº 1.500, de 29 de outubro de 2014, arts. 53, inciso II, e 54. ASSUNTO: PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL INEFICÁCIA PARCIAL. É ineficaz a parte da consulta que não se refere à interpretação da legislação tributária e aduaneira federal, relativa aos tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB). Dispositivos Legais: Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013, arts. 1º, 3º, § 2º, e 18, incisos I e XIII.
A solução de consulta pressupõe que os herdeiros estariam recebendo uma renda tributável proveniente do exterior, o que autorizaria a aplicação do artigo 8° da Lei n° 7.713/88. Além disso, a solução de consulta também desconsidera a natureza jurídica do instituto tratando como uma pessoa jurídica de direito privado que estaria distribuindo uma renda para os beneficiários.
O caso envolve a criação de uma entidade despersonalizada que muito se assemelha ao usufruto utilizado no direito brasileiro. Não há falar em transmissão onerosa de bens, haja vista que o recebimento do patrimônio em favor dos beneficiários é tratado como doação, o que não atrairia a incidência do imposto de renda.
Recentemente foi noticiado no jornal Valor Econômico que o primeiro caso foi examinado pelo Judiciário e a decisão liminar foi desfavorável. O processo (mandado de segurança nº 5017217-81.2020.4.03.61 00) é de um beneficiário de trust na Nova Zelândia. Ele alega que os valores geridos pelo trustee foram declarados e objeto de tributação pelo IRPF ao aderir ao programa de repatriação – o Regime Especial de Regularização Cambial Tributária (Rerct). E que recebeu doações do fundo, entre 2016 e 2019, que foram declaradas à Receita Federal e tributadas pelo ITCMD. O precedente referido foi julgado no sentido de reconhecer a incidência do imposto de renda sobre os valores recebidos, o que preocupa aqueles que acompanham a matéria e possuem clientes que utilizam a estratégia.