A tributação de qualquer negócio pode permitir o sucesso ou determinar o fracasso, tudo a depender das regras que forem estabelecidas. É como já disse o Justice Marshall: “The power to tax is the power to keep alive”.
No meu livro “Manual Jurídico da Startup” exploro os regimes de tributação disponíveis para as startups de um modo geral. Já na primeira edição defendia que a mesma racionalidade que inspirou a criação do SIMPLES para incentivar o crescimento de pequenos negócios deveria pautar o tratamento das startups. Se é difícil empreender, imagine empreender num ambiente de extrema incerteza como é o caso das startups.
De um modo geral, o regime preferido pelos negócios iniciante é o SIMPLES. Em poucas palavras, é o regime de tributação simplificada instituído pela Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresas e da Empresa de Pequeno Porte) é um regime de concentração de vários tributos em torno de uma única arrecadação, impondo ao contribuinte o pagamento de um valor apurado com base na receita, multiplicada pela alíquota do seu ramo de atividade e faixa de receita. De forma muito resumida, pode aderir ao regime aquele negócio que não ultrapasse o limite de R$ 4.800.000,00 de receita bruta no ano (art. 3, LC n° 123).
O problema para as chamadas fintechs (startups que se propõe a oferecer soluções para o mercado financeiro) é a vedação constante do artigo 17 da Lei Complementar n 123 que veda expressamente o acesso.
E o regime de lucro presumido? A Lei n° 9.718/98 contém semelhante vedação:
Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:
(…)
II – cujas atividades sejam de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras de títulos, valores mobiliários e câmbio, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização e entidades de previdência privada aberta;
Em suma, a legislação tributária confere à fintech o mesmo tratamento dispensado aos Bancões, imaginando que tais empresas em estágio muito embrionário consiga atender o nível de conformidade e especialmente suportar a mesma carga tributária de grandes bancos. Não é por acaso que o mercado financeiro seja tão concentrado, acabando por se concentrar em 3 players privados e dois bancos públicos.
Quando tudo parecia perdido, eis que a Receita Federal publica Solução de Consulta n° COSIT nº 50, de 22 março de 2024, afastando a vedação do dispositivo para a Sociedade de Crédito Direito (SCD):
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
SOCIEDADE DE CRÉDITO DIRETO. SISTEMÁTICA DE APURAÇÃO. LUCRO REAL. LUCRO PRESUMIDO.Às Sociedades de Crédito Direto não se aplica o disposto no art. 14, inciso II, da Lei nº 9.718, de 1998, não se podendo incluir tal espécie de instituições financeiras no rol taxativo naquele dispositivo elencado Dispositivos Legais. art. 14, inciso II, da Lei nº 9.718, de 1998. Art. 97, incisos II e IV, e art. 108, § 1º, do CTN. Assunto: Normas de Administração Tributária. INEFICÁCIA PARCIAL. Não produzem efeitos os questionamentos sobre fato genérico ou sobre fato definido ou declarado em disposição literal de lei.Dispositivos Legais: Instrução Normativa RFB nº 2.058, de 9 de dezembro de 2021, art. 27, incisos II e IX.
A solução de consulta é um alento, mas já antevejo pressão de lobystas para que o Congresso atenda os “alertas” contidos na Solução de Consulta e inclua a SCD nas vedações do artigo 14 da Lei n° 9.718/98. Enquanto isso, é um alento que pode incentivar o surgimento de mais negócios, mais soluções inovadoras e assim melhorar o mercado de crédito no país.