TRIBUTAÇÃO DA CLÍNICA MÉDICA

A escolha do correto regime de tributação das sociedades é um tema que envolve uma série de variáveis inseridas na caótica legislação tributária que muitas vezes gera insegurança para os sócios. No caso da sociedade de médicos não é diferente.

Por exemplo, o regime mais utilizado pelas empresas brasileiras, o SIMPLES, normalmente é descartado pelos médicos por entenderem que a legislação ainda mantém a vedação. Ocorre que desde a edição da LC n° 147/2014 se tornou possível o ingresso dos médicos no regime. Aqueles que estão mais atualizados, sabem que podem ingressar mas imaginam que o enquadramento ainda está restrito ao Anexo V cujas alíquotas começam em 15,5%, o que acaba induzindo os sócios a descartarem o regime. No entanto, desde 2018 é possível enquadrar as clínicas no Anexo III cujas alíquotas iniciam em 6%. Para tanto é preciso olhar atentamente para a folha da sociedade. Caso a folha dos últimos 12 meses representar 28% ou mais da receita bruta do período, é possível enquadrar a sociedade no Anexo III. Por outro lado, caso a folha seja inferior ao percentual de 28% da receita bruta, a sociedade deve ser tributada pelo anexo V. Nos casos em que a sociedade for direcionada para o anexo V é muito provável que o regime mais adequado seja o lucro presumido.

Falando em regime do lucro presumido, há outra questão extremamente importante: os percentuais de presunção de lucro estabelecidos na Lei n° 9.249/95. Caso sejam atendidos alguns requisitos é possível promover a redução dos percentuais, gerando economia para a sociedade médica. A redução da base de cálculo dos tributos pode gerar até 60% de economia: passaria de 32% para 8% no Imposto de Renda e de 32% para 12% para a Contribuição Social.

O artigo 15 da Lei n° 9.249/95 estabelece quem pode se beneficiar da alíquota reduzida:

Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto no art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, sem prejuízo do disposto nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei no 8.981, de 20 de janeiro de 1995. (Redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014) (Vigência)

§ 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de:

I – um inteiro e seis décimos por cento, para a atividade de revenda, para consumo, de combustível derivado de petróleo, álcool etílico carburante e gás natural;

II – dezesseis por cento:

a) para a atividade de prestação de serviços de transporte, exceto o de carga, para o qual se aplicará o percentual previsto no caput deste artigo;

b) para as pessoas jurídicas a que se refere o inciso III do art. 36 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 29 da referida Lei;

III – trinta e dois por cento, para as atividades de: (Vide Medida Provisória nº 232, de 2004)

a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares;

a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa; (Redação dada pela Lei nº 11.727, de 2008)

Ocorre que a lei não explicita o conceito de “serviço hospitalar” para efeito do enquadramento correto. Quando surge dúvida, a última palavra sobre a interpretação da legislação federal acaba sendo dada pelo Superior Tribunal de Justiça. No julgamento do REsp n° 832.906/SC adotou-se a tese que:

“Por entidade hospitalar deve se entender o complexo de atividades exercidas pela pessoa jurídica que proporcione internamento do paciente para tratamento de saúde, com a oferta de todos os processos exigidos para prestação de tais serviços ou do especializado.”

Já no julgamento do REsp n° 951.251/PR, o STJ acabou conferindo uma interpretação mais ampla, nos seguintes termos:

“aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde. Em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos.”

O tema acabou recebendo solução uniformizadora quando a Corte julgou o REsp n º 1.116.399/BA, no regime dos recursos repetitivos. Confira-se a ementa:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 535 e 468 DO CPC. VÍCIOS NÃO CONFIGURADOS. LEI 9.249/95. IRPJ E CSLL COM BASE DE CÁLCULO REDUZIDA. DEFINIÇÃO DA EXPRESSÃO “SERVIÇOS HOSPITALARES”. INTERPRETAÇÃO OBJETIVA. DESNECESSIDADE DE ESTRUTURA DISPONIBILIZADA PARA INTERNAÇÃO. ENTENDIMENTO RECENTE DA PRIMEIRA SEÇÃO. RECURSO SUBMETIDO AO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 543-C DO CPC. 1. Controvérsia envolvendo a forma de interpretação da expressão “serviços hospitalares” prevista na Lei 9.429/95, para fins de obtenção da redução de alíquota do IRPJ e da CSLL. Discute-se a possibilidade de, a despeito da generalidade da expressão contida na lei, poder-se restringir o benefício fiscal, incluindo no conceito de “serviços hospitalares” apenas aqueles estabelecimentos destinados ao atendimento global ao paciente, mediante internação e assistência médica integral. 2. Por ocasião do julgamento do RESP 951.251-PR, da relatoria do eminente Ministro Castro Meira, a 1ª Seção, modificando a orientação anterior, decidiu que, para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão “serviços hospitalares”, constante do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), porquanto a lei, ao conceder o benefício fiscal, não considerou a característica ou a estrutura do contribuinte em si (critério subjetivo), mas a natureza do próprio serviço prestado (assistência à saúde). Na mesma oportunidade, ficou consignado que os regulamentos emanados da Receita Federal referentes aos dispositivos legais acima mencionados não poderiam exigir que os contribuintes cumprissem requisitos não previstos em lei (a exemplo da necessidade de manter estrutura que permita a internação de pacientes) para a obtenção do benefício. Daí a conclusão de que “a dispensa da capacidade de internação hospitalar tem supedâneo diretamente na Lei 9.249/95, pelo que se mostra irrelevante para tal intento as disposições constantes em atos regulamentares”. 3. Assim, devem ser considerados serviços hospitalares “aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde”, de sorte que, “em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos”. 4. Ressalva de que as modificações introduzidas pela Lei 11.727/08 não se aplicam às demandas decididas anteriormente à sua vigência, bem como de que a redução de alíquota prevista na Lei 9.249/95 não se refere a toda a receita bruta da empresa contribuinte genericamente considerada, mas sim àquela parcela da receita proveniente unicamente da atividade específica sujeita ao benefício fiscal, desenvolvida pelo contribuinte, nos exatos termos do § 2º do artigo 15 da Lei 9.249/95. 5. Hipótese em que o Tribunal de origem consignou que a empresa recorrida presta serviços médicos laboratoriais (fl.. 389), atividade diretamente ligada à promoção da saúde, que demanda maquinário específico, podendo ser realizada em ambientes hospitalares ou similares, não se assemelhando a simples consultas médicas, motivo pelo qual, segundo o novel entendimento desta Corte, faz jus ao benefício em discussão (incidência dos percentuais de 8% (oito por cento), no caso do IRPJ, e de 12% (doze por cento), no caso de CSLL, sobre a receita bruta auferida pela atividade específica de prestação de serviços médicos laboratoriais). 6. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ. 7. Recurso especial não provido. (REsp 1116399/BA, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 24/02/2010)

A tese fixada no julgamento do Tema 217 do STJ ficou assim redigida:

Para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão ‘serviços hospitalares’, constante do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), devendo ser considerados serviços hospitalares ‘aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde’, de sorte que, ’em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos’.

A partir da edição da Lei n° 11.727/08 que conferiu nova redação ao artigo 15 da Lei n° 9.249/95, passou-se a exigir, para que a sociedade de médicos pudesse usufruir dos percentuais reduzidos, que a “prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa”.

Em relação ao primeiro requisito, para que a sociedade seja considerada empresária é necessário promover alteração do tipo societário de sociedade simples para sociedade limitada e levar o contrato social a registro na Junta Comercial e não no registro das pessoas jurídicas.

Quanto ao segundo requisito, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem entendido que basta que a empresa comprove estar em pleno funcionamento, a menos que haja nos autos qualquer indicação de que não atende às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Muito embora a União invoque em suas manifestações a exigência de cumprimento da Resolução RDC n° 50, de 21/02/2002 da Anvisa, o Judiciário tem entendido que a resolução extrapola a limitação fixada em lei, inquinando-a de ilegal. Vale reproduzir alguns julgados:

TRIBUTÁRIO. SERVIÇOS HOSPITALARES. IRPJ E CSLL. ALÍQUOTAS REDUZIDAS. NATUREZA DO SERVIÇO PRESTADO. CRITÉRIO OBJETIVO, INDEPENDENTE DA ESTRUTURA FÍSICA DO LOCAL DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. LEI Nº 11.727/2008. APLICABILIDADE. VIGÊNCIA. 1. O Superior Tribunal de Justiça pacificou a matéria atinente à aplicação de alíquotas reduzidas do IRPJ (8%) e da CSLL (12%) às receitas provenientes de serviços hospitalares. O critério eleito é de cunho objetivo e concerne à natureza do serviço que deve ser relacionado à promoção da saúde e ter custo diferenciado, excluídas, assim, as receitas decorrentes de simples consultas médicas e demais atividades administrativas. Assim, nos termos do precedente representativo da controvérsia, a concessão do benefício independe da estrutura física do local de prestação do serviço e se este possuiu, ou não, capacidade para internação de pacientes (REsp 1.116.399/BA, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Seção, DJe 24/02/2010). 2. A Lei nº 11.727/2008 impôs alterações ao artigo 15, § 1º, III, “a”, da Lei nº 9.249/1995, que passaram a viger a partir de 01-01-2009. Além do enquadramento da atividade como de natureza hospitalar, outros dois requisitos passaram a ser exigidos, a saber: i) estar constituída como sociedade empresária; ii) atender às normas da ANVISA. 3. As sociedades empresárias devem ser registradas no Registro Público das empresas Mercantis (Junta Comercial) do Estado em que se encontram estabelecidas. 4. Não é legítimo exigir que a empresa comprove atender às normas da ANVISA. Uma vez que está em exercício regular de sua atividade e detém o Alvará de funcionamento, há presunção relativa de que está adequada às regras da vigilância sanitária. Caberia, desta forma, ao Fisco trazer elementos que indiquem o descumprimento de tais regras. Precedentes desta Corte Regional. (TRF4 5026157-45.2016.404.7200, PRIMEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 08/09/2017)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUTOS RETORNADOS DO STJ. EXISTÊNCIA DE OMISSÃO. NOVO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Decisão proferida no Superior Tribunal de Justiça em Recurso Especial interposto pela União. Retorno dos autos para suprir omissão no julgamento dos embargos de declaração. A alteração promovida pela Lei 11.727/2008, no sentido de que a prestadora de serviços hospitalares deve atender às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, revela-se bastante genérica e não estabelece, especificamente, a quais normas da ANVISA o contribuinte deve obedecer. Hipótese em que normas gerais de funcionamento de estabelecimentos de saúde não podem restringir a norma legal. Fundamentos acrescentados ao acórdão embargado, sem alteração no resultado. (TRF4 5003682-92.2012.404.7117, PRIMEIRA TURMA, Relatora MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, juntado aos autos em 27/10/2016)

Em suma, é possível reconhecer o direito de usufruir do regime de tributação mais favorável na via judicial para que a apuração dos tributos esteja protegida por decisão judicial. Recomenda-se postular o reconhecimento na via judicial porque a mera mudança na contabilidade pode ensejar autuações vultosas e expor a sociedade à uma contingência tributária elevada.

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