SUPREMO AFASTA INCIDÊNCIA DO IR SOBRE JUROS DE MORA
A Corte decidiu, por maioria de votos, que os valores recebidos por trabalhador a título de juros de mora possuem caráter indenizatório e portanto não se submetem à incidência do imposto de renda. O julgamento teve apenas o voto divergente do Min. Gilmar Mendes. O julgamento do Tema 808 (RE 855.091), de Relatoria do Min. Dias Toffoli, envolvia a restituição do imposto de renda que incidira sobre os juros moratórios que foram aplicados por ocasião do pagamento de verbas remuneratórias de um empregado. O recurso extraordinário tem origem no julgamento realizado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que havia afastado a incidência da tributação por entender que os valores relativos aos juros de mora possuem natureza indenizatória e não caracterizam acréscimo patrimonial. No julgamento, a Corte fez referência à arguição de inconstitucionalidade n° 5020732-11.2013.404.0000 que declarou a não recepção do art. 16, parágrafo único da Lei n° 4.506/64 nos seguintes termos: “ao credor a privação de bens essenciais[,] podendo até mesmo ocasionar seu endividamento a fim de cumprir os compromissos assumidos”. Aduziu também que o art. 16, parágrafo único, da Lei nº 4.506/64 reconhece os juros de mora como indenização e que o STJ tem entendimento sumulado no sentido da não incidência do imposto sobre as verbas recebidas a título de danos morais (Súmula nº 498/STJ), por elas terem natureza indenizatória. Assentou, além disso, que tramita no Congresso Nacional projeto de lei visando a afastar a incidência do imposto sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração (PL nº 4.635/12) e que o STF já se manifestou, na esfera administrativa, no sentido de que o imposto não incide sobre os juros de mora (Processo nº 323.526, Primeira Sessão Administrativa, 21/2/08)”. Ao apreciar o tema, o Supremo Tribunal Federal novamente aprecia o conceito constitucional de renda tributável à exemplo que enfrentamento realizado no julgamento da ADI 5.422 que comentei aqui. Tanto no tema 808, quanto na ADI 5.422, a Corte reafirma que a renda passível de incidência de tributação é aquela que representa “acréscimo patrimonial”. Nas palavras do Min. Dias Toffoli: Não parece haver dúvidas, portanto, que a expressão juros moratórios, que é própria do direito civil, designa a indenização pelo atraso no pagamento da dívida em dinheiro. Para o legislador, o não recebimento nas datas correspondentes dos valores em dinheiro aos quais se tem direito implica prejuízo . Note-se que o legislador previu a possibilidade de serem as perdas efetivas maiores que os juros de mora, e por isso, possibilitou, caso não haja pena convencional, a concessão de indenização complementar. Esta posição assumida pela maioria da Corte é emblemática e pode ter repercussão em outros julgamento, a exemplo do Tema 962, em que o STF vai definir se incidem IRPJ e CSLL sobre a Selic recebida pelo contribuinte em ação de repetição de indébito, proposta quando se paga tributo a mais. Vislumbra-se a possibilidade de postulações de ações de repetição de indébito daqueles que se encontram em situação análoga e tenham sofrido a tributação sobre juros de mora recebidos. Voto do Min. Dias Toffoli
PORTO ALEGRE INICIA PROJETO PIONEIRO DE MEDIAÇÃO TRIBUTÁRIA
Porto Alegre pode iniciar um projeto pioneiro de mediação tributária. Recentemente, o município assinou documento com a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) e a Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) para o desenvolvimento do primeiro “Projeto Executivo de Mediação Tributária”. O objetivo final é a aprovação de lei municipal, que seja modelo para as demais prefeituras. O litígio (judicial e administrativo) já se comprovou ineficiente para resolver as disputas em matéria tributária. Atingimos o impressionante percentual de 75% do PIB brasileiro em disputas de tributos, segundo recente estudo do Insper. Já defendi em outro artigo a adoção de outros métodos de resolução de conflitos para as discussões entre Fisco e contribuintes com foco na autocomposição. https://www.edersonporto.com/post/negócio-jurídico-processual-no-direito-tributário O modelo atual definitivamente não agrada ninguém. De um lado, o Fisco não recupera os créditos tributários. De outro, o contribuinte recorrentemente perde as disputas não porque não tivesse o melhor direito, mas pelo reiterado argumento de risco de quebra das contas públicas. O Judiciário reconhece a inconstitucionalidade ou ilegalidade mas pondera o impacto da sua decisão e acaba não reconhecendo o direito dos contribuintes ou, em alguns casos, restringe-o com a técnica de modulação dos efeitos. Em suma, como diria nossa ex-presidente: “ninguém ganha, ninguém perde. Todo mundo perde”. Torço para que a iniciativa seja efetivamente implementada, mas ouso fazer uma recomendação. Não se pode repetir as experiências mal sucedidas do Poder Judiciário! Atuei em alguns processos que foram incluídos em projetos/mutirões de conciliação. Invariavelmente eram iniciativas para buscar o pagamento do tributo, sem qualquer margem de concessão. Com todo o respeito isso não é mediação. Se houver esforço para regulamentar margens de disposição aos representantes do Fisco para que mediante concessões mútuas se encontre um ponto ótimo entre os interesses envolvidos.
NOVA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A EXECUÇÃO FISCAL
O crédito tributário, por ostentar certos privilégios, nunca se sujeitou ao concurso de credores. Esta prerrogativa tinha o objetivo de garantir que o Fisco não precisasse se submeter ao juízo da falência ou da recuperação judicial. Em suma, se a empresa estivesse em dificuldade ou falida, a Fazenda Pública teria assegurado o recebimento do seu crédito pouco importando os demais credores. Isso está correto? À toda evidência que não. Todos os credores num processo concursal ostentam igual legitimidade para postular o adimplemento do seu crédito. Afinal: é mais nobre o crédito tributário que o crédito trabalhista? O credor quirografário é menos importante? A legislação tenta harmonizar o interesse e estabelecer certa isonomia entre os credores, visando assegurar a máxima satisfação de todos os envolvidos. No entanto, o Fisco jamais se contentou. Além de possuir prerrogativas na hierarquia, ainda gozava de não submissão ao plano de recuperação e não sujeição ao juízo universal da falência. Acontece que o tiro saiu pela culatra. O máximo privilégio, na prática, resultou ineficaz porque o juízo da recuperação e o da falência visando promover os objetivos da legislação de quebras, concedia proteção ao patrimônio, dificultando a vida do Fisco em suas cobranças. No intuito de assegurar as atividades produtivas, evitava-se a penhora e alienação de bens, o que resultava em ineficiência nas execuções fiscais. A reforma da Lei n° 11.101/2005 recentemente publicada 24 de dezembro de 2020, entrou em vigor em 24 de janeiro de 2021 e trouxe uma celeuma que ocupará os tribunais nos próximos anos. É a redação acrescentada ao artigo 6° da Lei de Falências que trouxe o parágrafo 7°-B. Vale reproduzir: Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência) I – suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência) II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência) III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência) (…) § 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) A medida foi cuidadosamente costurada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional durante a tramitação do projeto de reforma, visando escapar da armadilha criada pelo próprio Fisco. Como muitos devedores em crise obtiveram o bloqueio de penhoras e alienações judiciais, na prática o fisco estava com mais de R$ 100 bilhões em créditos tributários sobrestados. A questão ficou ainda mais delicada com a afetação da discussão pelo Superior Tribunal de Justiça em três recursos (REsp nº 1.694.316, REsp nº 1.694.261 e REsp nº 1.712.484) – todos sob a relatoria do ministro Mauro Campbell. Os temas repetitivos determinaram a suspensão de todos os casos idênticos no país, tornando ainda mais remota a satisfação do crédito tributário. Recentemente foi noticiado na imprensa que a Fazenda Nacional postulou o destravamento dos casos análogos aos temas repetitivos com base na nova lei (Matéria publicada no Valor Econômico de 01/02/2021). A petição protocolada busca a autorização para que os juízos das execuções possam dar aplicação ao novo dispositivo. A questão envolve uma discussão sobre direito intertemporal. Se o dispositivo for entendido como norma sobre procedimento/processo, poderia ser aplicada imediatamente. Caso a norma seja entendida como regra de direito material, somente seria aplicável a casos novos, não podendo ter efeito retroativo. Em que pese a regra trate sobre procedimento da execução fiscal, o âmago da norma é conferir novo privilégio ao crédito tributário, logo dispõe sobre direito material. Desse modo, não poderia ser conferido novo privilégio ao crédito tributário antigo. O tema ensejará inúmeras discussões e lamentavelmente ser criará novo ponto de atrito entre fisco e contribuinte, aumentando a já elevada litigiosidade da matéria tributária. O que deveria ser feito? Reconhecer que o crédito tributário não é mais importante que os demais credores e submetê-lo às condições possíveis a serem encontradas na recuperação judicial para preservar a empresa. Se o objetivo é a preservação da empresa, como salvar o negócio sem envolver um dos principais credores: o fisco? É evidente que todo e qualquer plano minimamente sério deve endereçar a satisfação de todos os credores com vistas à virada da empresa (turnaround).
PAUTA DE JULGAMENTOS TRIBUTÁRIOS DO STF EM 2021
As discussões envolvendo tributação no Brasil acabam inevitavelmente desaguando no Supremo Tribunal Federal. Isso se deve ao fato do Brasil ter elevado ao status constitucional a maior parte das normas que orientam a tributação no país. Como praticamente todas as discussões envolvem normas constitucionais, competirá à Suprema Corte dar a última palavra. No ano de 2020, o Supremo Tribunal Federal esbanjou do sistema de julgamento virtual, tolhendo dos advogados a prerrogativa de buscar sensibilizar os julgadores com argumentos nos julgamentos e especialmente na véspera destes quando os profissionais visitavam os ministros e lhes entregavam memoriais. Com a pandemia todas as práticas foram adaptadas às regras de distanciamento e com isso os ministros passaram a “atender” os advogados de modo virtual, o que sabidamente tem menor impacto. 2021 já sinaliza uma pauta com importantes julgamentos. Vou elencar alguns que já estão na pauta da Corte: TEMA 328 – PAUTA 17/03/2021 1. Trata-se de recurso extraordinário, com fundamento no artigo 102, III, ‘a’, da Constituição, envolvendo discussão acerca da incidência do IOF sobre aplicações financeiras de curto prazo de partidos políticos, entidades sindicais, instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos beneficiários de imunidade tributária. 2. O acordão recorrido entendeu que “a previsão constitucional também alberga o IOF, conforme reiterada jurisprudência do Colendo STF”. 3. A União afirma que o art. 150, VI, ‘c’, e § 4º, da Constituição “concede imunidade tributária para o patrimônio, renda ou serviços das entidades sindicais de trabalhadores. Portanto, não permite a incidência de impostos que tenham como fato gerador o patrimônio, renda ou serviços de tais entidades, e ainda exige que haja vinculação a suas atividades essenciais”. Nesse sentido, sustenta que “não sendo o imposto em pauta incidente sobre o patrimônio, renda ou serviços, mas sim incidente sobre a produção e circulação, não tem cabimento incluí-los sob o manto da imunidade”. Aduz, por fim, que, “ainda que assim não fosse, a imunidade estaria restrita aos impostos que, incidentes sobre o patrimônio, renda e serviços das entidades sindicais de trabalhadores, estivessem vinculados às suas atividades essenciais (parágrafo 2º, do inciso VI, do artigo 150, CF). Daí que jamais poderia ter sido acolhida a pretensão inicial porquanto as operações financeiras realizadas pela entidade impetrante, sobre as quais incidiu o IOF, não se relacionam com sua atividade”. 4. Em contrarrazões, a parte recorrida alega que “o v. acórdão recorrido, ao reconhecer que a imunidade prevista no artigo 150, inciso IV, alínea “c”, alcança o IOF cobrado indevidamente da entidade sindical, julgou conforme o entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal federal no sentido de que os ativos financeiros compõem o patrimônio da entidade, sendo tal exação é constitucionalmente vedado.” 5. O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. Tese TRIBUTOS E REGIME TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DO IOF SOBRE APLICAÇÕES FINANCEIRAS DE CURTO PRAZO DE PARTIDOS POLÍTICOS, ENTIDADES SINDICAIS, INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SEM FINS LUCRATIVOS BENEFICIÁRIOS DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. CF/88, ART. 150, VI, ‘C’, E § 4º. Saber se é constitucional a incidência do IOF sobre aplicações financeiras de curto prazo de partidos políticos, entidades sindicais, instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos beneficiários de imunidade tributária. TEMA: CONTRIBUIÇÃO -ADI 4395 – PAUTA 22/04/2021 O tema é mais um round da disputa sobre o FUNRURAL entre fisco e contribuintes. A Corte irá a ação direta de insconstitucionalidade proposta pela Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo). A entidade questiona a possibilidade de o Fisco cobrar das empresas os valores que são devidos pelos agropecuaristas, pessoas físicas fornecedores de seus associados, a título de contribuição previdenciária. O julgamento está empatado com cinco votos a favor e cinco votos contra. TEMA: CONTRIBUIÇÃO SENAR – RE 816830 – PAUTA 12/05/2021 O Supremo Tribunal Federal irá decidir sobre a constitucionalidade da contribuição incidente sobre a receita bruta do produtor rural no percentual de 0,2%. TEMA: REINTEGRA – ADI 6055 – PAUTA 02/06/2021 Tema 1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, em face do artigo 22 da Lei Federal nº 13.043/14 e, por arrastamento, do artigo 2º do Decreto nº 8.415/15, que disciplinam o procedimento de devolução dos resíduos tributários que remanescem na cadeia de produção de bens exportados. 2. A Confederação Nacional da Indústria/CNI alega, em síntese, que: a) “a perda de arrecadação soa como motivação excessivamente difusa e genérica para respaldar o concreto e específico prejuízo às exportações proporcionado pela redução do REINTEGRA, em franco descompasso com o princípio do não-retrocesso”; e b) “a escolha do REINTEGRA para compensar a perda de arrecadação decorrente da desoneração do óleo diesel desrespeita a proporcionalidade sob a perspectiva da necessidade”. 3. Adotou-se o rito do art. 12 da Lei nº 9.868/99. 4. O presidente da República prestou informações no sentido de que “os valores apurados no REINTEGRA não implicam majoração de tributo ou desoneração em relação a nenhuma espécie tributária, não interferindo em imunidade/isenção tributária, tampouco envolvendo no seu cálculo aspectos relativos à alíquota ou à base de cálculo dos tributos envolvidos na operação”. 5. Em informações, o Senado Federal manifestou-se pela constitucionalidade das normas. Afirma que “o Reintegra não se constitui em nenhuma espécie tributária em particular”. Na verdade, “trata-se de benefício com características de incentivo fiscal, uma vez que a reintegração de valores referentes aos custos tributários residuais da cadeia produtiva de bens manufaturados, pelo exportador, visa estimular, por consequência, as exportações, de acordo com a necessidade dos setores econômicos e da atividade exercida”. Tese DIREITO TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE E EXONERAÇÃO TRIBUTÁRIA. RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO. LEI QUE DISPÕE SOBRE O REGIME ESPECIAL DE REINTEGRAÇÃO DE VALORES TRIBUTÁRIOS PARA EMPRESAS EXPORTADORAS. ALEGADA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA NÃO-EXPORTAÇÃO DE TRIBUTOS, DA LIVRE CONCORRÊNCIA, DA LIVRE INICIATIVA E LIBERDADE DE COMÉRCIO, DO NÃO-RETROCESSO SOCIOECONÔMICO E DA PROPORCIONALIDADE. DECRETO Nº 8.415/2015, ART. 2º. LEI Nº 13.043/2014, ART. 22. CF/88, ARTS. 3º, I; 149, § 2º, I; 153, § 3º, III; 155, § 2º, X, ‘A’; 156, § 3º, II; E 170, IV E PARÁGRAFO ÚNICO. Saber se as normas impugnadas afrontam os princípios da
VALE TRANSPORTE GERA CRÉDITO DE PIS/COFINS
Desde a implantação do regime não cumulativo das contribuições PIS/COFINS, passou-se a travar uma verdadeira guerra entre fisco e contribuinte para a definição das compras que geram crédito de PIS e COFINS. A Receita Federal editou as Instruções Normativas SRF n° 247/2002 e 404/2004 que vieram a ser consideradas ilegal pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema Repetitivo n° 779. No julgamento do Resp n° 1.221.770, fixou-se a seguinte tese: “O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.” Infelizmente a decisão, ao invés de resolver os litígios, acabou por devolver os jurisdicionados ao primeiro grau para demonstrar o que a Corte chamou de essencialidade ou relevância. Recentemente, a Receita Federal expediu Solução de Consulta n° 7.081 (DISIT) da 7° Região Fiscal que admite creditamento de PIS e Cofins sobre vale-transporte não se limitando às empresas de limpeza, conservação e manutenção. Por se tratar de uma despesa imposta por lei, não compete ao empregador fornecer ou não vale-transporte, logo deve ser considerado insumo para efeito de creditamento de PIS/COFINS. É preciso alertar que a questão não é pacífica dentro da Receita Federal. No Parecer Técnico n° 05/2018, a Receita posicionou-se contra a tomada de créditos. Na solução de consulta n° 45/2020, a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) abriu a possibilidade. A questão está longe de ser pacificada, mas recomenda-se avaliar cautelosamente para otimizar a apuração dos referidos tributos.
O QUE SOBROU DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA?
Uma das principais proteções asseguradas aos contribuintes é, sem dúvida, a legalidade tributária. Trata-se de um instrumento de consulta popular (indireta, é bem verdade) sobre qual o tipo e nível de tributação é aceitável por aquela sociedade. Exigir lei para instituir e majorar tributos deveria ser uma salvaguarda sagrada, impassível de questionamento ou mitigação. No entanto, o que se observa da jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Federal é que tal garantia pode ser relativizada. No julgamento do RE n° 434.446, o STF reconheceu a constitucionalidade da da contribuição ao Seguro de Acidente do Trabalho (SAT). Assim, empresas que extrapolarem o índice-médio de acidentes do trabalho do respectivo setor produtivo terão que recolher uma contribuição adicional de 0,9 % a 1,8% para financiamento do SAT. Neste leading case, o Relator, Min. Carlos Velloso, defendeu que as leis questionadas “definem satisfatoriamente todos os elementos capazes de fazer nascer uma obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de atividade preponderante e grau de risco leve, médio ou grave, não implica ofensa ao princípio da legalidade tributária”. A decisão foi unânime. Posteriormente, a matéria voltou a ocupar a pauta do STF com o reconhecimento de repercussão geral no RE 677.725 de Relatoria do Min. Luiz Fux (Tema 554, STF). Em 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do RE 1043313 (Tema 939 da repercussão geral), proclamou ser “constitucional a flexibilização da legalidade tributária constante do parágrafo 2º do artigo 27 da Lei nº 10.865/04, no que permitiu ao Poder Executivo, prevendo as condições e fixando os tetos, reduzir e restabelecer as alíquotas de PIS/COFINS sobre receitas financeiras de contribuintes sujeitos ao regime não cumulativo. Esta trajetória de precedentes do Supremo Tribunal Federal sinaliza que o Poder Legislativo pode delegar “bandas” ou “faixas” para que o Poder Executivo gradue conforme seus critérios de conveniência e se o exercício dessa prerrogativa respeitar as balizas fixadas em lei, não há falar em violação à legalidade tributária. Com todo o respeito à orientação firmada pela Suprema Corte, não se pode com ela concordar. A legalidade tributária não é um regra irrelevante ou norma cuja eficácia possa ser reduzida pelo intérprete. O constituinte quis assegurar que a última palavra sobre tributação fosse do cidadão representado pelo parlamento e expressamente enumerou as exceções (Imposto de Importação, Exportação, IPI e IOF, por exemplo). Quando o legislativo desvia desse regramento e confere ao Executivo poderes para mudar o nível de incidência tributária, há um flagrante desvirtuamento da concepção traçada na Constituição. Não se pode admitir que o contribuinte não seja consultado sobre a incidência mais gravosa sob pena de voltarmos mais de dois séculos de desenvolvimento do Direito ao pretexto de facilitar a tributação. Saudades dos tempos em que o brocardo “there is no taxation without representation”. Eu escrevi com maior profundidade sobre o tema no artigo cuja íntegra está disponível abaixo. É só clicar: https://edersonporto.com/wp-content/uploads/2022/09/Artigo-Legalidade.pdf
NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL NO DIREITO TRIBUTÁRIO
SOLUÇÃO PARA A INADIMPLÊNCIA RECÍPROCA DO ESTADO E DO CONTRIBUINTE: A CELEBRAÇÃO DE NEGÓCIO PROCESSUAL Éderson Garin Porto Visiting Scholar UC Berkeley School of Law. Doutor e Mestre pela UFRGS. Professor do Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios da UNISINOS. Membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/RS. Professor colaborador da ESA (OAB/RS). Advogado. Reza a Constituição que todos são iguais perante a lei (art. 5°, caput), sendo vedado tratamento discriminatório entre os contribuintes (art. 150, inciso II). A prescrição normativa do texto constitucional distancia-se da prática quando os operadores defrontam-se com a cobrança de créditos titulados pelo fisco e pelo contribuinte. Quando o fisco é credor, aplica-se o rito privilegiado previsto na Lei n° 6.830/80 e normas esparsas que concedem inúmeras vantagens à Fazenda Pública. Quando o cidadão figura na condição de credor deve se sujeitar ao rito desfavorecido previsto no Código de Processo Civil que submete seu crédito ao regime de precatórios (art. 100 da Constituição). É evidente que o instituto do precatório não foi criado para prejudicar o cidadão, senão para compatibilizar os preceitos de impenhorabilidade e inalienabilidade aplicáveis aos bens públicos. Assim, a Constituição estabeleceu um regime de controle para a satisfação dos créditos constituídos contra o Erário que visam única e exclusivamente permitir a gestão da liquidação das obrigações. Não se pode admitir que o regime de precatório crie situações discriminatórias, nem mesmo se institucionalize o “calote” por parte dos entes públicos. Sabendo que a Administração Pública deve observar o preceito da moralidade (art. 37 da Constituição) não se pode admitir que as dívidas assumidas pelo Estado não sejam quitadas com o “amparo” do regime de precatórios. Avolumam-se nos foros execuções contra a fazenda pública que aguardam em compasso de espera. A título de exemplo, segundo dados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o estoque de precatórios gaúcho corresponde a R$ 14,68 bilhões, considerando Administração Direta e Indireta. Atualmente, o Estado deposita mensalmente, em contas específicas do Tribunal, o equivalente a 1,5% da Receita Corrente Líquida, o que resulta em parcelas entre R$ 46 e 50 milhões. O percentual é ínfimo e não permite reduzir o passivo que cresce anualmente. Uma alternativa viável e, ao mesmo tempo, polêmica seria a utilização do instituto da compensação que no âmbito do Rio Grande do Sul veio a ser regulamentado pela Lei n° 15.038/2017. A controvérsia é conhecida e não se pretende incursionar neste antigo debate. Dentro do cenário caótico das finanças públicas no qual estão inseridos praticamente todos os entes da federação, não se vislumbra uma alternativa viável no curto prazo para resolver a odiosa discriminação na satisfação dos créditos. De um lado, o crédito tributário goza de rito especial, possibilidade de protesto de CDA, penhora on-line e mais recentemente averbação pré-executória (art. 22-B, § 3°, inciso II da Lei n° 10.522/02 com redação dada pela Lei n° 13.606/2018). De outro lado, o crédito do particular contra a Fazenda Pública deve se conformar com a espera imposta pelo regime previsto no artigo 100 da Constituição. Na tentativa de amenizar a dramática situação, propõe-se uma alternativa que parece plenamente viável a partir do novo Código de Processo Civil. Defendemos na terceira edição do Manual da Execução Fiscal (PORTO, Éderson Garin. Manual da Execução fiscal. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2019) que o Código de Processo Civil vigente exalta a autonomia da vontade e presta homenagem aos meios adequados de resolução do litígio (art. 1°, §§ 2° e 3°). Conferiu-se importantes espaços de disposição às partes, assegurando-lhes a possibilidade de delimitar a controvérsia (arts. 141, 490 e 492, CPC), a possibilidade de renunciar (art. 487, III, c), desistir (art. 485, VIII, CPC) e abdicar de um modo, inclusive em fase recursal (art. 998, parágrafo único), sem esquecer da importância de certos atos omissivos (art. 65, art. 337, § 6.º, e art. 1.000, CPC). Naquilo que interessa ao problema em questão, merece destaque o artigo 190 do Código de Processo Civil que prescreve, in verbis: Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. É o que a doutrina chama de “Negócios Processuais”[1] ou também “customização compartilhada”[2]. O Código admite inclusive que as partes e o magistrado, de comum acordo, estabeleçam um calendário para a prática dos atos processuais (art. 191, CPC). Se a legislação processual autoriza expressamente que as partes celebrem “negócios processuais”, visando reduzir ou extinguir litígios, a pergunta que se coloca é se poderia aplicar às execuções movidas contra a Fazenda Pública ou às execuções fiscais. Não obstante, o artigo 174 do Código de Processo Civil exorte os entes da federação a criar câmaras de mediação e conciliação para tratar de temas de direito público, a consensualidade em matéria tributária é tida no Brasil como verdadeiro “tabu”. Sobre a possibilidade de celebração de negócios, pode-se referir o Enunciado n° 256 do Fórum Permanente de Processualistas que preconiza que “A Fazenda Pública pode celebrar negócio jurídico processual”. Como refere Leonardo Carneiro da Cunha, “se o advogado público pode convencionar a suspensão do processo, escolher o procedimento a ser adotado, o meio de impugnação a ser utilizado, é porque pode celebrar negócio processual”[3]. A controvérsia parece ter sido definitivamente dirimida no âmbito da execução fiscal a partir da edição da Portaria PGFN n° 360 de 2018 que passou a autorizar as Procuradorias a realizarem negócios processuais. Segundo dispõe o artigo 2° da Portaria n° 360, ficou autorizado a celebração de negócio jurídico processual (NJP) e fixação de calendário processual sobre os seguintes temas: I – cumprimento de decisões judiciais; II – confecção ou conferência
PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO: MOCINHO OU VILÃO?
A expressão “planejamento tributário” já teve momentos de glória. Houve um tempo em que muitos advogados e contadores ofereciam orgulhosamente planejamento tributário e até quem sequer possuía titulação acadêmica alguma empunhava uma pastinha saia a vender planos mirabolantes. Perdi as contas de quantos clientes atendi com dúvidas sobre a solução salvadora apresentada pelos “vendedores de planejamento”. Parcela da desconfiança gerada na sociedade vem de profissionais que usaram sem muito critério e, por vezes, com alguma desonestidade do rótulo “planejamento tributário” para tão somente faturar. Não que faturar seja algum problema, porém quando se vende algo que não possui nenhuma solidez, nenhum amparo, lamento dizer mas isso não é planejamento e sim vigarice! Graças aos inúmeros vigaristas que se apossaram indevidamente da atividade própria de tributaristas, hoje em dia falar em planejamento envolve tratar de um tema repleto de desconfiança, o que não é correto. Afinal de contas, o que é planejamento tributário? Eu gosto de usar a metáfora do motorista que escolhe, dentre várias vias para chegar ao seu destino, aquela rota que lhe traz mais vantagem. Quando me refiro a escolher o caminho que oferece maior vantagem é importante esclarecer que nem sempre essa vantagem é financeira. O caminho mais econômico, nem sempre é o mais vantajoso considerando todas as variáveis do negócio. Utilizando a metáfora, nem sempre o caminho mais curto é o mais barato para o viajante, pois pode envolver pedágio, engarrafamento, etc. Em outras palavras, escolher dentre os caminhos possíveis de acordo com a lógica do negócio é fazer planejamento tributário que pode ser uma orientação singela como escolha de regime de tributação, passando por operações sofisticadas. É preciso enfatizar que planejar não é sonegar! Quando o contribuinte escolhe elaborar a sua declaração do imposto de renda completa ou simplificada, posso afirmar que ele está fazendo um planejamento tributário. É muito singelo, é verdade, mas não deixa de ser planejamento. Alguém ousaria dizer que a escolha pelo modelo de declaração mais vantajosa do ponto de vista financeiro caracterizaria sonegação? É evidente que não! Tanto é verdade que atualmente o próprio software desenvolvido pela Receita Federal orienta automaticamente o contribuinte sobre o modelo de declaração mais vantajoso para o contribuinte. Em suma, escolher soluções que importem em redução da tributação não caracterizam evasão fiscal. É importante esclarecer que a tributação é exceção ao direito de propriedade. Em regra, a propriedade é privada. Excepcionalmente, parcela da propriedade pode ser expropriada por meio da tributação. E justamente por ser exceção é que as exceções devem ser expressamente previstas na legislação e não se admite que a exceção vire regra, nem que a exceção seja ampliada por desejo ou vontade do fisco. Não se pode desconhecer que ao longo dos anos a discussão entre contribuintes e Fisco foi intensa. Inúmeras estratégias adotadas pelos contribuintes sofreram o escrutínio da fiscalização e algumas foram rejeitadas pelos Tribunais. Por isso é importante contar com um profissional experiente para avaliar e estruturar o planejamento tributário de forma sólida e segura. Recentemente, a regra geral antielisiva (art. 116, parágrafo único do CTN) teve o julgamento de sua arguição de inconstitucionalidade iniciado (ADI 2446). O voto da Ministra Carmem Lúcia (Relatora) reconhece a constitucionalidade da regra, mas (o que é mais importante) defende o direito do contribuinte em elaborar o seu planejamento como expressão da sua liberdade. A ministra afirma que a norma não proíbe o contribuinte de buscar, pelas vias legítimas, a economia fiscal, “realizando suas atividades de forma menos onerosa, e, assim, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada”. Em conclusão, pode-se afirmar que a livre iniciativa, a liberdade e a propriedade, normas constitucionais prestigiadas pelo Supremo Tribunal Federal, devem impor limites à tributação. Defender o planejamento significa prestigiar a livre iniciativa e, em última análise, o livre arbítrio que promove o desenvolvimento. O contrário é subjugar o ser humano a fazer somente o que o Estado autoriza e convenhamos que este não é um caminho virtuoso.