COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA: REPERCUSSÕES DA TESE DO SÉCULO

A atenção da comunidade jurídica, notadamente daqueles que atuam com Direito Tributário, esteve voltada nos últimos anos ao desfecho do julgamento do Recurso Extraordinário n° 574.706, afetado pela sistemática da Repercussão Geral, Tema n° 69, pelo Supremo Tribunal Federal, apelidada de Tese do Século. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS. 2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação. 3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. 3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações. 4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS. (RE 574706, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-223 DIVULG 29-09-2017 PUBLIC 02-10-2017) E não era por menos. A discussão possuía impacto bilionários nos cofres públicos (A Fazenda informava impacto de R$ 258 bilhões) e, por outro lado, teria a capacidade de impactar em praticamente todos os contribuintes pessoa jurídica (desonerar os contribuintes em cifra aproximadamente semelhante). Em 15 de março de 2017, a Corte havia apreciado a matéria de fundo e definido a tese nos seguintes termos: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins” Não obstante o resultado, a Fazenda Nacional apresentou embargos de declaração que postulava, de forma inusual, a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. No julgamento ocorrido em 13 de maio de 2021, a Corte apreciou os embargos e decidiu, por maioria, modular os efeitos da decisão nos seguintes termos: “O Tribunal, por maioria, acolheu, em parte, os embargos de declaração, para modular os efeitos do julgado cuja produção haverá de se dar após 15.3.2017 – data em que julgado o RE nº 574.706 e fixada a tese com repercussão geral “O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS” -, ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até a data da sessão em que proferido o julgamento, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio. Por maioria, rejeitou os embargos quanto à alegação de omissão, obscuridade ou contradição e, no ponto relativo ao ICMS excluído da base de cálculo das contribuições PIS-COFINS, prevaleceu o entendimento de que se trata do ICMS destacado, vencidos os Ministros Nunes Marques, Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Tudo nos termos do voto da Relatora. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 13.05.2021 (Sessão realizada por videoconferência – Resolução 672/2020/STF) Encerrada a sessão de julgamento, a Corte imaginava ter pacificado a discussão e conferido segurança jurídica em torno do julgamento de um dos temas mais impactantes dos últimos anos. No entanto, as dúvidas dos contribuintes não se encerraram com o julgamento e pululam novas teses encampadas pelo fisco para questionar o resultado obtido pelos contribuintes. Neste artigo procuro enfrentar a questão envolvendo a coisa julgada e eventual manejo de ação rescisória por parte da Fazenda Nacional a partir da modulação fixada pelo Supremo Tribunal Federal. Considerando que a Corte fixou como marco temporal para produção de efeitos a data de 17/03/2017, surge a dúvida: os contribuintes que postularam períodos anteriores estariam em risco? Vou tentar responder de forma didática: (A) AÇÕES AJUIZADAS ANTERIORMENTE A DATA DE 17/03/2017: Os contribuintes que estão enquadrados neste grupo podem se considerar protegidos pela modulação proposta pela Mina. Cármem Lúcia. A Corte expressamente ressalvou as ações ajuizadas anteriormente envolvendo competências anteriores à data da modulação. Portanto, as ações ajuizadas até esta data, tenham transitado em julgado ou não, estão amparadas pela modulação realizada, não havendo com o que se preocupar. (B) AÇÕES AJUIZADAS APÓS A DATA DE 17/03/2017: Os contribuintes que ajuizaram ações em data posterior à 17/03/2017 foram impactados pela modulação levada a efeito pela Suprema Corte. Aqui é preciso estabelecer nova divisão para esclarecimentos e fins didáticos. (B.1) AÇÕES AJUIZADAS APÓS 17/03/2017 SEM TRÂNSITO EM JULGADO Este grupo de contribuintes foram os mais impactados pela decisão, pois seus pleitos passarão a sofrer a modulação proposta pelo STF. Considerando que os casos estavam tramitando ou estavam sobrestados nas Cortes Regionais, ao retomarem o julgamento acabarão sofrendo a incidência dos limites impostos. Significa dizer que o pleito de compensação ou restituição sobre competências anteriores à 17/03/2017 foram fulminados, enquanto que as competências posteriores restaram asseguradas. (B.2) AÇÕES AJUIZADAS APÓS 17/03/2017 COM TRÂNSITO EM JULGADO Reside neste grupo de contribuintes o foco do artigo. Ações ajuizadas posteriores a 17/03/2017 que tiveram o trânsito em julgado certificado e que versam sobre competências anteriores a 17/03/2017. Estariam estes contribuintes sujeitos à revisão do seu julgado pelo manejo de Ação Rescisória pelo Supremo Tribunal Federal? A preocupação não é sem motivo. A Comissão de Valores Mobiliário elaborou ofício (Ofício-Circular/CVM/SNC/SEP/ nº 01, de 2019) que, dentre outros temas, orientava o tratamento contábil para as empresas que obtiveram vitória sobre o Tema n° 69, STF. No referido documento, é afirmado textualmente