EXECUÇÃO FISCAL SELETIVA
TODOS IGUAIS, MAS UNS SÃO MAIS IGUAIS QUE OS OUTROS O subtítulo deste artigo é uma frase celebrizada por George Orwell em seu livro “A revolução dos bichos”, vindo a integrar, mais tarde, a conhecida letra da música “Ninguém = ninguém” dos Engenheiros do Havaí. Do ponto de vista sociológico, creio que não tenha frase que melhor defina as relações sociais no Brasil. O tratamento diferenciado está tão enraizado na cultura nacional que a discriminação não é vista com estranheza. Veja-se, por exemplo, a má distribuição de recursos públicos com o custeio do sistema previdenciário ou a tributação de pobres para financiar excentricidades de poucos (v.g.: o custeio de ex-presidentes). Pode-se, igualmente, tomar como exemplo as operações do Fisco que admitem publicamente dispensar mais atenção sobre os chamados “grandes devedores”. Pode parecer inapropriado comparar os dois exemplos, mas a justificativa para a aproximação é a apatia da sociedade em questioná-los. A sociedade acostumou-se com a quebra da igualdade e conforma-se com o tratamento desigual. Afinal, como explicar que a sociedade tolere suportar altos benefícios previdenciários de uma casta de servidores, quando a maioria da população não desfruta dos mesmos benefícios. Chama a atenção que a proposta para solucionar a baixa eficiência da cobrança de tributos seja (por mais paradoxal que possa soar) deixar de cobrar de alguns contribuintes. É isso mesmo. A Fazenda Pública conseguiu aprovar a chamada “execução fiscal seletiva” que, em outras palavras, autoriza que a Procuradoria somente ajuíze execuções de alto valor e de grandes contribuintes (art. 20-C da Lei n° 10.522). Os créditos tributários menores e de contribuintes insolventes serão legalmente negligenciados. A medida é defendida como uma forma de elevar a vergonhosa taxa de sucesso das execuções fiscais, além de promover a redução de litígios. Ora, convenhamos: se o contribuinte sem recursos já não pode se defender na execução fiscal e nem assim o fisco tem êxito nas cobranças, o que leva a acreditar que cobrar de quem pode exercer a defesa e poderá constituir bons advogados irá reduzir o litígio e aumentar a arrecadação? Os argumentos até o momento apresentados não convencem. Dizer que o Estado é ineficiente para cobrar de todos, porque não possui recursos ou pessoal em patamares adequados e assim passar a escolher os executados resulta em justificar o erro por meio de outro. A limitação de recursos e pessoal serviria, quando muito, para justificar a adoção de procedimentos de cobrança alternativos, utilização de tecnologia, inteligência artificial, mas jamais deveria servir para escusar a inação. País justo, é um país que leve a sério o postulado da “lei é igual para todos”, sem privilégios, nem tampouco perseguição propositadamente organizada. Estaremos próximos de atingir níveis de desenvolvimento humano satisfatórios quando passarmos a levar a sério o mandamento constitucional que prega a igualdade e veda a discriminação.