Reforma Tributária fatiada: por que a reforma do Imposto de renda é equivocada
Na sexta-feira (25/04/2021), o Governo Federal apresentou a segunda “fatia” daquilo que chamou de Reforma Tributária fatiada. O foco das modificações foi a legislação do Imposto de Renda das pessoas físicas, jurídicas e investimento. A primeira fatia foi a proposta de unificação das contribuições PIS e COFINS (PL n° 3.887/2020). A segunda fatia recebeu na Câmara o número de PL n° 2.337/2021. Partindo de um Governo identificado com ideias liberais, a reforma acabou surpreendendo porque de liberal, não tem nada. Os slides compartilhados na coletiva de imprensa são repletos de frases de efeito próprias dos movimentos de esquerda: Apresentação do Ministério da Economia Destaco algumas frases que considero as digitais da autoria de quem realmente concebeu o projeto de lei. Começo com o slogan principal: Por um Brasil com impostos justos para gerar mais investimento, emprego e renda A reforma inicia dizendo que almeja a justiça. Ora quem é contra a justiça? Quando se invoca o termo “justiça”, o orador sempre emprega o seu conceito de justiça que, por consequente, adotará os seus critérios de promoção da justiça. O texto prossegue utilizando as seguintes expressões: “Sistema mais justo ao evitar que os mais ricos deixem de pagar imposto”. “O sistema precisa ser mais justo para todos. A empresa não deve ter benefício por remunerar seus executivos com bônus em ações”. “As reorganizações empresariais são, muitas vezes, utilizadas como forma para pagar menos impostos”. “Pessoas mais ricas, que podem deixar o dinheiro parado por muito tempo, não podem ter mais benefícios por causa disso”. Citei algumas frases. Existem outras tantas que demonstram que a proposta não foi formulada por uma equipe de matiz liberal. Desconfio que o Ministro da Economia nem leu ou não é liberal verdadeiramente. Por que principio o texto com esta constatação? Por que fica claro que a Reforma Tributária foi concebida por servidores que assessoram o Poder Executivo há anos e repetem estratégias que não deram certo em nenhum lugar. Pior: estamos repetindo medidas que já foram implementadas em nosso país e não trouxeram o crescimento econômico desejado. Sempre repito a frase atribuída à Einstein para esse tipo de proposta: “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.” Confesso que esperava que pela primeira vez se experimentaria uma reforma tributária liberal, buscando extrair resultados diferentes. A proposta de Reforma Tributária social-democrata apresentada poderia tranquilamente ter sido proposta pelo Governo do Fernando Haddad ou do Geraldo Alckmin caso tivessem sido eleitos, já que seus formuladores da política econômica defenderam os pilares da atual proposta. Veja a proposta de reforma tributária disponível no site oficial do PT . A proposta conta com o apoio, além do PT, do PSOL, PCdoB, PDT, PSB e Rede e traz, entre outros pontos, a taxação de grandes fortunas, dos lucros e dividendos. Leia e veja se não há muita semelhança com a proposta apresentada. Em entrevista, o formulador da proposta econômica do candidato do PSDB, Persio Arida, sempre defendeu alguns dos temas apresentados na atual proposta. Veja por exemplo, esta entrevista concedida a Isto é. Ocorre que o processo democrático refutou estes projetos. A proposta de reforma tributária defendida na campanha pelo atual Ministro da Economia não encampava nenhuma das ideias agora apresentadas. Parece-me, portanto, faltar legitimidade democrática para implementar um projeto de reforma que não foi eleito pelo povo. De qualquer modo, vamos examinar os tópicos das alterações apresentadas. Esta é a exposição de motivos apresentada pelo Presidente da República ao Congresso Vou utilizar a sequência dos temas apresentados no texto do Projeto de Lei. A dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL foi instituída pelo art. 9° da Lei n° 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Trata-se de uma alternativa para que as pessoas jurídicas obtenham financiamento por meio dos sócios e com isso reduzam o recolhimento do IRPJ e CSLL. A medida pode inclusive servir para estimular que os recursos sejam reinvestidos no próprio negócio. No entanto, os formuladores do projeto justificam a extinção com o seguinte argumento: “Entretanto, a partir de análises das demonstrações financeiras das empresas brasileiras, verifica-se que o endividamento continua a ser a forma mais atrativa de financiamento da expansão empresarial, contrariando a ideia de que a medida aumentaria a atratividade de investimento em capital em detrimento de investimentos no mercado financeiro”. Ora, se as empresas não utilizam o mecanismo, não há impacto na arrecadação. Logo, não há porque extinguir o permissivo legal. Porém, se o real motivo não é o declarado, a exposição de motivos deveria decliná-lo. Caso a intenção seja aumentar a arrecadação com a impossibilidade de dedução, poder-se-ia estabelecer um limite para a utilização do JSCP. 2. Tributação de lucros e dividendos. Este tema vem sendo defendido por aqueles que vêm flagrante injustiça tributar o trabalhador assalariado e não tributar o sócio de pessoa jurídica. Residiria aqui a principal guinada em direção a um sistema tributário mais justo. Escrevi em 2019 um artigo no jornal Valor Econômico que criticava a proposta. O debate desconsidera que não se pode comparar a obtenção da renda pelo trabalhador assalariado da renda obtida pelo empresário. Enquanto o empregado, servidor público têm assegurado os seus salários e percebem incidir sobre os seus rendimentos o imposto de renda da pessoa física, o empresário desenvolve sua atividade produtiva por meio de uma entidade denominada pessoa jurídica. Por que? Porque a atividade empresarial envolve risco e eventualmente o insucesso do empreendimento não pode comprometer o patrimônio da pessoa física. Essa é a razão histórica da criação das primeiras companhias e não é diferente no Brasil e em todos os lugares do mundo. Alguns países conferem esta proteção ao patrimônio do empresário e ainda não tributam a entidade. Nestes modelos, tributa-se o lucro distribuído ao sócio, o que faz todo o sentido. No entanto, o Brasil fez uma opção distinta. Quando a isenção foi criada, o então Ministro da Fazenda explicou que se buscava “a completa integração entre a pessoa física e a pessoa
Custo de implantação da LGPD pode gerar crédito de PIS e COFINS
Os contribuintes sujeitos ao regime não cumulativo de apuração de PIS e Cofins sofrem diariamente com as dificuldades de identificação de quais insumos são considerados passíveis de creditamento. Com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n° 13.709/2018), praticamente todas as empresas passaram a arcar com o custo de implantação das novas regras ao seu negócio. Eis que surge a indagação: os custos com implantação das exigências da LGPD são considerados insumos para efeito de creditamento de PIS e COFINS? As empresas submetidas ao regime do lucro real para fins de apuração do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), devem apurar as contribuições PIS e COFINS pelo regime não cumulativo (art. 8° da Lei n° 10.637/2002 e art. 10 da Lei n° 10.833/2003). A diferença básica do regime não-cumulativo para aquele disciplinado na Lei n° 9.718/98 (cumulativo) é a possibilidade de utilização de créditos de insumos para redução da base de cálculo dos tributos (art. 3° da Lei n° 10.637/2002 e art. 3° da Lei n° 10.833/2003). Não obstante a extensão das hipóteses elencadas pelo legislador nas normas acima referidas, muitas dúvidas surgiram. Os contribuintes não possuíam clareza em relação a quais os insumos serão idôneos para a geração de créditos de PIS e COFINS. A Receita Federal editou as Instruções Normativas SRF n° 247/2002 e 404/2004 que, em síntese, estabeleciam um regime mais restritivo para o aproveitamento de crédito de PIS e COFINS. A discussão veio a ser resolvida com o julgamento do Recurso Especial n° 1.221.170 na sistemática dos recursos repetitivos que veio a uniformizar o entendimento do assunto nos seguintes termos: TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. NÃO-CUMULATIVIDADE. CREDITAMENTO. CONCEITO DE INSUMOS. DEFINIÇÃO ADMINISTRATIVA PELAS INSTRUÇÕES NORMATIVAS 247/2002 E 404/2004, DA SRF, QUE TRADUZ PROPÓSITO RESTRITIVO E DESVIRTUADOR DO SEU ALCANCE LEGAL. DESCABIMENTO. DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE INSUMOS À LUZ DOS CRITÉRIOS DA ESSENCIALIDADE OU RELEVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL DA CONTRIBUINTE PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO, SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC/1973 (ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015). 1. Para efeito do creditamento relativo às contribuições denominadas PIS e COFINS, a definição restritiva da compreensão de insumo, proposta na IN 247/2002 e na IN 404/2004, ambas da SRF, efetivamente desrespeita o comando contido no art. 3o., II, da Lei 10.637/2002 e da Lei 10.833/2003, que contém rol exemplificativo. 2. O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte. 3. Recurso Especial representativo da controvérsia parcialmente conhecido e, nesta extensão, parcialmente provido, para determinar o retorno dos autos à instância de origem, a fim de que se aprecie, em cotejo com o objeto social da empresa, a possibilidade de dedução dos créditos relativos a custo e despesas com: água, combustíveis e lubrificantes, materiais e exames laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual-EPI. 4. Sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 (arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015), assentam-se as seguintes teses: (a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte. (REsp 1221170/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 24/04/2018) (grifos meus) A partir do julgamento dos Temas 779 e 780 do Superior Tribunal de Justiça, passou-se a adotar os critérios da essencialidade ou relevância, devendo-se avaliar a imprescindibilidade ou importância de determinado item (bem ou serviço) para o desenvolvimento da atividade econômica do contribuinte. Posteriormente ao julgamento do precedente, a Receita Federal exarou o Parecer Normativo COSIT n° 5 de 17 de dezembro de 2018 que buscou uniformizar perante o órgão a repercussão da nova orientação do Superior Tribunal de Justiça. Dada a relevância para a consulta formulada e repercussões que serão adiante extraída, vale reproduzir a ementa: Assunto. Apresenta as principais repercussões no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil decorrentes da definição do conceito de insumos na legislação da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins estabelecida pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 1.221.170/PR. Ementa. CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/PASEP. COFINS. CRÉDITOS DA NÃO CUMULATIVIDADE. INSUMOS. DEFINIÇÃO ESTABELECIDA NO RESP 1.221.170/PR. ANÁLISE E APLICAÇÕES. Conforme estabelecido pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1.221.170/PR, o conceito de insumo para fins de apuração de créditos da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou da relevância do bem ou serviço para a produção de bens destinados à venda ou para a prestação de serviços pela pessoa jurídica. Consoante a tese acordada na decisão judicial em comento: a) o “critério da essencialidade diz com o item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço”: a.1) “constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço”; a.2) “ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência”; b) já o critério da relevância “é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja”: b.1) “pelas singularidades de cada cadeia produtiva”; b.2) “por imposição legal”. Dispositivos Legais. Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, inciso II; Lei nº 10.833, de 2003, art. 3º, inciso II. Dentro deste contexto, a Receita Federal editou nova regulamentação (Instrução Normativa n° 1.911 de 11 de outubro de 2019), disciplinando com maior clareza e alinhado ao novo entendimento os itens
Bolsa de estudo concedida pela empresa deve ser tributada?
A capacitação e aperfeiçoamento dos colaboradores, sejam eles empregados, estagiários ou terceirizados é benéfico para a empresa tomadora do serviço e sobretudo revela-se positivo para o beneficiário do auxílio concedido. No entanto, pairam dúvidas sobre a tributação dos valores. Durante algum tempo vigorou o entendimento da Receita Federal que considerava tributável a bolsa de estudo com base numa leitura apressada dos artigos 3° e 6° da Lei n° 7.713/88. Entendia-se que os valores pagos para o estudo de colaborador caracterizaria remuneração disfarçada. Alguns órgãos de fomento à Pesquisa passaram a conceder bolsa de estudo, revestindo a remuneração no regime do contrato de doação. Ao ser questionada, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional exarou o Parecer PGFN/CAJE no 593, de 31 de julho de 1990, anterior, portanto, à Lei no 8.958, de 1994, e ao Decreto no 5.205, de 2004, quando analisou as bolsas de estudo e pesquisas frente ao instituto da doação, assim dispôs: “A bolsa de estudo ou pesquisa, será doação civil, negócio de liberalidade, desde que o pagamento feito pelo doador, atribuindo o encargo de realização da pesquisa ou de pesquisa não reverta o resultado economicamente para ele doador ou para pessoa interposta. Será doação, pois, o pagamento em pecúnia ou in natura, à pessoa, sob condição de que realize um curso acadêmico ou uma pesquisa para o domínio público, sem que o resultado do estudo ou da pesquisa seja aproveitado economicamente pelo doador. Ao contrário, se o resultado do estudo ou da pesquisa reverter ao doador, estar-se-á diante da relação de emprego contra salário”. A questão veio a ser resolvida em 1995, com a edição da Lei n° 9.250/95 que dispôs sobre bolsa de estudo quando caracterizada como doação: Art. 26. Ficam isentas do imposto de renda as bolsas de estudo e de pesquisa caracterizadas como doação, quando recebidas exclusivamente para proceder a estudos ou pesquisas e desde que os resultados dessas atividades não representem vantagem para o doador, nem importem contraprestação de serviços. Parágrafo único. Não caracterizam contraprestação de serviços nem vantagem para o doador, para efeito da isenção referida no caput, as bolsas de estudo recebidas pelos médicos-residentes. (Incluído pela Lei nº 12.514, de 2011) Parágrafo único. Não caracterizam contraprestação de serviços nem vantagem para o doador, para efeito da isenção referida no caput, as bolsas de estudo recebidas pelos médicos residentes, nem as bolsas recebidas pelos servidores das redes públicas de educação profissional, científica e tecnológica que participem das atividades do Pronatec, nos termos do § 1o do art. 9o da Lei no 12.513, de 26 de outubro de 2011. (Redação dada pela Lei nº 12.816, de 2013) O Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n° 9. 580/2018), de seu turno, observou a disciplina da lei acima reproduzida quando estabelece que: Art. 35. São isentos ou não tributáveis: (…) VII – os seguintes rendimentos diversos: (…) a) as bolsas de estudo e de pesquisa caracterizadas como doação, quando recebidas exclusivamente para proceder a estudos ou pesquisas e desde que os resultados dessas atividades não representem vantagem para o doador nem importem contraprestação de serviços (Lei nº 9.250, de 1995, art. 26); A Receita Federal do Brasil examinou a questão quando expediu a Solução de Consulta COSIT n° 9 de 23 de junho de 2015 reconhecendo que as bolsas de estudo são isentas de tributação. A Receita Federal faz uma ressalva sobre a não incidência da contribuição previdenciária sobre a bolsa no seguinte sentido: Vê-se que a não incidência de contribuição previdenciária sobre os valores das bolsas concedidas nos termos da Lei no 8.958, de 1994, e do Decreto no 5.205, de 2004, decorre de sua não caracterização como remuneração por prestação de serviço, requisito primeiro para ser base de cálculo do tributo, conforme disciplina a Lei no 8.212, de 1991. Os dispositivos do Decreto revogado, portanto, apenas explicitavam o que já decorria (e continua decorrendo) da Lei de Custeio da Previdência Social, tratando de hipótese de não incidência tributária e não de isenção. n43. Levando essa sistemática para os casos concretos, é a verificação dos fatos específicos, o conteúdo probatório encontrado pela fiscalização que poderão revelar a incidência da contribuição quando caracterizada a natureza remuneratória da verba. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é unânime nesse sentido, valendo reproduzir os seguintes precedentes da 1ª e 2ª Turma: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. BOLSA DE ESTUDO. IMPOSTO DE RENDA. RECONHECIMENTO DE ISENÇÃO. ART. 26 DA LEI N. 9.250/1995. NECESSIDADE DE ANÁLISE DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. ACÓRDÃO FUNDADO EM LEGISLAÇÃO ESTADUAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 280/STF. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão de que incide imposto de renda sobre verbas recebidas a título de bolsas de estudo e/ou pesquisa quando houver contraprestação de serviços ou o resultado dos estudos e das pesquisas represente vantagem para o doador, uma vez que o art. 26 da Lei n. 9.250/1995 apenas afasta a incidência nos caso em que o recebimento se caracterize doação. 2. O Tribunal de origem, soberano na análise das provas, afirmou que não se obteve lucro ou qualquer vantagem financeira com o trabalho realizado. Para afastar o entendimento a que chegou a Corte a quo, de modo a albergar as peculiaridades do caso e verificar se houve lucro ou vantagem financeira, como sustentado neste recurso especial, é necessário o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que se mostra inviável em recurso especial, por óbice da Súmula 7/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.” 3. A análise da controvérsia posta demandaria o exame de legislação local, tendo em vista que o Tribunal de origem adotou como fundamento do decisum o Decreto estadual n. 2.872/2006. Tal circunstância torna inviável o acolhimento do recurso especial, consoante a aplicação analógica do enunciado n. 280 constante da Súmula do STF, que dispõe: “Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário.” 4. O óbice da Súmula 280/STF também incide nos casos em que o recurso especial é interposto com base na alínea “c”. Precedente: AgRg no REsp 1.286.388/MS, Rel. Ministro Gurgel
Classificação Fiscal: como o Brasil conseguiu se tornar um sistema tributário tão complexo
O sistema tributário nacional é complexo e gerador de custos de transação. Essa afirmação já é lugar-comum. Quando Alfredo Augusto Becker cunhou a expressão “manicômio tributário” não imaginava que décadas mais tarde nós teríamos amplificado o sentido da expressão para chegar ao ponto de ostentar o maior contencioso tributário do mundo. Sim, podemos orgulhosamente (ou seria vergonhosamente) bater no peito e dizer: “temos o maior volume de recursos em disputa no Poder Judiciário do que qualquer outra nação”. Segundo estudo elaborado pelo Insper, acumulamos mais de R$ 5,4 trilhões em disputas, alcançando a assombrosa cifra de 75 do PIB brasileiro. Para ilustrar a insanidade do sistema, vou ilustrar com o tema chamado de classificação fiscal dos produtos. A tributação do consumo é orientada pelo critério da essencialidade (v.g. art. 153, § 3°, I, no caso do IPI ou o artigo 155, § 2°, III, no caso do ICMS), o que significa que os produtos mais essenciais devem ter uma tributação mais branda ou nem sequer sofrer a tributação, enquanto que os bens supérfluos podem ter alíquotas mais elevadas. Pode-se, em alguns casos, impor alíquotas pesadas no sentido de desestimular o consumo, como é o caso do IPI sobre o cigarro que alcança a alíquota de 300. As normas acima mencionadas estabelecem uma diretriz ao legislador e notadamente ao chefe do poder executivo que, no caso do IPI, possui a prerrogativa de definir as alíquotas do IPI por meio de decreto (art. 153, § 1° da CRFB): o imposto será graduado em função da essencialidade do produto! Portanto, o IPI terá alíquotas diferenciadas, aplicando-as de acordo com a essencialidade do produto. A categorização da essencialidade é estabelecida pelas alíquotas do IPI definidas na Tabela de Incidência, regulamentadas pelo Decreto n° 7.660 de 23 de dezembro de 2011. Ocorre que a localização de um produto determinado na tabela de incidência do IPI se dá por meio da sua classificação estabelecida pela Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM). Decorre que a classificação dos produtos é fundamental para posicioná-lo de forma correta na NCM e, por decorrência, tributá-lo de forma a respeitar a essencialidade prevista na Constituição. A classificação dos produtos está disciplinada pelo Regulamento do Imposto sobre Produto Industrializado (RIPI), artigo 15 e seguintes do Decreto n° 7.212 de 2012. Na clássica lição de Aliomar Baleeiro, essencialidade é a qualidade do que é essencial, do que é indispensável[1]. Esta essencialidade vincula-se aquilo que é indispensável para a manutenção de um padrão de vida mínimo e à garantia do bem-estar da sociedade[2]. Para que não se corra o risco de adentrar em seara altamente subjetivista, a definição daquilo que é básico e indispensável para a sociedade brasileira encontra-se insculpido na Constituição, enunciado no preâmbulo como os valores supremos, nomeadamente: “a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”. Na sequência, a Constituição define como fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro a promoção da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, CRFB) e estabelece como objetivo fundamental a reduzir a marginalização (art. 3°, III) e promover o bem de todos (art. 3°, IV). Pode-se dizer, portanto, que a Constituição estabelece um detalhado nível de prioridades a serem observadas para a promoção do bem de todos, revelando um noção básica do que seja essencial para o texto constitucional. É justamente no artigo 6° da Constituição, onde estão arrolados os direitos sociais assegurados ao indivíduo, que se encontra o seguinte rol: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. O texto constitucional define, portanto, os direitos sociais do cidadão, o que assegura essencialidade a tais direitos. Nesse sentido, a Constituição capta aquilo que é essencial para promoção de um estado de dignidade mínima, quando estabelece as necessidade vitais que devem ser asseguradas pelo salário mínimo, in verbis: Art. 7°. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visam à melhoria de sua condição social: (…) IV – salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; Desse modo, pode-se afirmar que há uma definição constitucional daquilo que pode ser considerado essencial a partir das normas antes reproduzidas, podendo-se dizer que os produtos que promovam estas necessidades vitais básicas são considerados essenciais[3]. Assim, não há como afastar que os produtos destinados à promover, preservar, restaurar a saúde do ser humano será necessariamente considerado essencial nos termos da Constituição. Com efeito, o texto constitucional utiliza a expressão “saúde” em 57 oportunidades, merecendo destaque os artigos 23, II, 24, XII, 34, VI, 35, III e 194. Os dispositivos mencionados informam a importância da saúde para o Estado Brasileiro e definem o compromisso que o Poder Público deve assumir para promovê-la, chegando ao detalhismo de definir o direito à saúde do seguinte modo: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Resulta que o direito à saúde é consagrado como direito fundamental e compromisso do Estado em promovê-lo e assegurá-lo. Logo, a tributação não pode desconhecer este caráter fundamental do direito à saúde, devendo ser graduada de modo à promover a saúde e o bem estar do indivíduo. Nessa linha, quando se observa que a Constituição determina que o IPI será graduado de acordo com a essencialidade do produto, deve-se concluir que os produtos relacionados com a saúde humana são essenciais. A classificação dos produtos é realizada por meio de um Sistema Hamonizado de Designação e Codificação de Mercadorias desenvolvido pela Organização Mundial das Aduanas (OMA)
ITBI E ITCD: Questões práticas que preocupam advogados
Por Éderson Porto e Bruna Mattos Os advogados que atuam nas áreas de direito imobiliário e família frequentemente se deparam com dúvidas envolvendo os tributos que incidem sobre as suas transações. O Imposto de Transmissão sobre Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis (ITCD) frequentemente atormentam os colegas que não são familiarizados com as discussões tributárias. Recentemente fui convidado pela Comissão do Jovem Advogado da OAB/RS para responder, numa palestra, a uma série de dúvidas. Dado o caráter prático das questões formuladas entendi que deveria compartilhar os temas com aqueles que acompanham o meu blog. A Constituição autoriza, aos Estados e Distrito Federal, tributar por meio do ITCD os seguintes fenômenos: Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; O ITBI, de seu turno, incide nas transmissões de bens imóveis de forma onerosa, como claramente expresso na Constituição: Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…) II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; É preciso inicialmente estabelecer que a competência tributária fixada na Constituição e acima reproduzido é, ao mesmo tempo, ponto de partida e ponto de chegada. Em outras palavras, o limite da tributação deve ser extraído do texto da Constituição, não se admitindo que os entes federados tenham ampla discricionariedade. Por esse motivo, muitas das questões se resolvem no Supremo Tribunal Federal e outras tantas reclamam a uniformização desempenhada pelo Superior Tribunal de Justiça. Para conferir o caráter prática, tal como realizado no evento referido, enfrento as questões em formado de perguntas e respostas, esperando que seja útil para os colegas e profissionais 1) Quando ocorre a incidência do ITBI? Segundo estabelece a Constituição, o ITBI incide na transmissão da propriedade: Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…) II – ,transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição A cobrança do ITBI só é possível após transferência efetiva do imóvel, ou seja, somente quando celebrada a Escritura Pública de compra e venda. Essa questão foi analisada no ARE nº 1294969, com repercussão geral (Tema 1124) que assim se fixou: “O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”. Portanto, os negócios jurídicos celebrados antes da efetiva transmissão não são suficientes para se considerar ocorrido o fato gerado, segundo orientação do STF no Tema 1124 acima reproduzido. 2. No caso da aquisição de imóvel “na planta”, é necessário o recolhimento do ITBI? Tomando a orientação firmada no Tema 1124 do STF acima transcrito, não há falar em tributação da aquisição de imóvel na planta haja vista que nesta hipótese o negócio jurídico celebrado é um contrato de promessa de compra e venda na medida em que o imóvel ainda não foi concluído e muito provavelmente não houve a individualização da matrícula. 3. A promessa de cessão de direitos à aquisição de imóvel — quando o comprador de um imóvel na planta cede a futura propriedade para outro interessado, antes da entrega do bem — é fato gerador de Imposto de Transmissão de Bens Móveis e Imóveis (ITBI)? A resposta é muito semelhante a questão anterior. O fato gerador do ITBI é a efetiva transmissão da propriedade, logo a cessão de direitos ou posição contratual não configura o fato gerador na interpretação conferida pelo STF ao artigo 156, II no Tema 1124. 4. Qual a base de cálculo do ITBI? O valor venal que serve como referência para a cobrança do IPTU ou o valor da operação de compra e venda? E caso haja divergência entre o valor arbitrado pelo Fisco e aquele que o contribuinte entende de direito, como proceder? Segundo estabelece o Código Tributário Nacional: Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. O conceito de valor venal há muito não envolve controvérsia, valendo trazer a lição clássica do mestre Aliomar Baleeiro: “Valor venal é aquele que o imóvel alcançará para compra e venda à vista, segundo as condições usuais do mercado de imóveis” No entendimento do STJ, A forma de apuração da base de cálculo e a modalidade de lançamento do IPTU e do ITBI são diversas, não sendo possível vincular os valores, que em regra serão diferentes, vale citar o precedente abaixo: EXECUÇÃO FISCAL. ITBI. BASE DE CÁLCULO. VALOR VENAL DO IMÓVEL. IPTU. PLANTAS GENÉRICAS. APURAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO POR ARBITRAMENTO ART. 148 DO CTN. POSSIBILIDADE. 1. A forma de apuração da base de cálculo e a modalidade de lançamento do IPTU e do ITBI são diversas, não sendo possível vincular os valores, que em regra serão diferentes. 2. É possível, mediante processo administrativo, arbitrar a base de cálculo desde que presentes os pressupostos autorizativos do artigo 148 do CTN, como ocorreu na espécie. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1226872/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/03/2012, DJe 23/04/2012) Como referido no precedente, é facultado à Administração Tributária arbitrar o valor quando julgar inidôneo o valor, porém dever-se-ia observar os preceitos do artigo 148 do CTN: Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial. Portanto, pode-se afirmar que a base de cálculo deve ser a riqueza verdadeira,
Sociedade Anônima de Futebol
Quais as alterações trazidas pela Lei n° 14.193/2021? Ederson Garin Porto e Leandro Mello Schmitt Entra em vigor a Lei n° 14.193/2021 que introduz no direito brasileiro a figura da Sociedade Anônima do Futebol e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas. Não se pretende aqui, até por fugir ao propósito, abordar questões técnicas envolvendo a SAF, porém tecer alguns comentários sobre a importância da Lei para o futebol profissional. É senso comum que o futebol é o esporte mais praticado no Brasil e também em muitas outras partes no mundo. Em alguns países, com futebol de elite, a exemplo da Itália, Espanha, França e Alemanha, quase a esmagadora maioria dos clubes (e, como na Inglaterra, a totalidade) são juridicamente constituídos na forma de sociedades empresárias, especialmente pelo tipo SA (Sociedade Anônima), restando alguns poucos, como até agora ocorria no Brasil, cuja natureza jurídica era a de associação civil. Em que pese muitos clubes brasileiros já operassem como sociedades (empresárias) de fato, antes da mencionada Lei, juridicamente, havia um sem-número de limitações, tanto no aspecto societário, como creditício e tributário. Clubes de futebol, considerando as diversas atividades econômicas exploradas (passes de jogadores, patrocínios, direitos de imagem e de arena, propriedade intelectual em muitos produtos que levam a logomarca do time, escolinhas…) são “empresas”, mas, no ordenamento jurídico brasileiro, não existia a possibilidade de se constituírem como sociedades empresárias, restando, praticamente, a (única) possibilidade de serem constituídos na forma de associações civis regidas pelo Código Civil que, nesta questão, nem de perto se compara à Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76 – sendo esta aplicada subsidiariamente à Lei nº 14.193/2021). Quem acompanha este sensacional esporte bem sabe que na União Europeia os clubes de primeira divisão recebem dezenas de milhões de euros cada em investimentos (muitos destes milhões de investidores estrangeiros), na maioria fundos de investimento. Há inúmeros fundos norte-americanos e chineses que, no caso de alguns clubes, chegam a possuir mais de 2/3 do capital social de sociedades de futebol (salvo quando há a imposição de limite ao número de ações de titularidade de investidores, como ocorre na Bundesliga e na UEFA). E para que atraiam somas elevadas de investimentos (estrangeiros ou não), impensável uma organização jurídica diversa da sociedade anônima, isto porque é a que, além de ser conhecida em diversas ordens jurídicas há muito tempo, independentemente de seu objeto, sempre será empresária, como também, notadamente se pretender abrir o seu capital e negociar as suas ações no mercado, deverá estar alinhada às boas práticas de governança corporativa – tópico o qual a Lei, com acerto, ateve-se. Além disto, uma associação civil, em que pese possa explorar atividade econômica e sendo até aconselhável que adote boas práticas de governança, não tem nesta a sua atividade-fim, o que impede, por exemplo, o pagamento de dividendos e a distribuição de lucros entre os associados. Caso isto ocorra, será ilegal e passível de sanções. De outro lado, uma sociedade empresária tem como um de seus fins últimos a remuneração de seus acionistas. E, não sejamos ingênuos: fundos de investimento buscam sempre maximizar os ganhos dos seus integrantes. E qual será, exatamente, a atividade-fim de uma Sociedade Anônima do Futebol? A Lei listou uma série de atividades que poderão integrar o objeto social da SAF, estando descritas no seu artigo 1º, § 2º, indo desde a formação de atleta profissional do futebol, até mesmo à exploração de ativos (inclusive direitos imobiliários) dos quais seja titular, sem falar nas sociedades Holding que agora poderão ter como acionistas/sócias, uma SAF. Não há a menor dúvida que, frente ao amplo leque de atividades-fim, a Sociedade Anônima do Futebol poderá ser um grande atrativo para investidores e também maximizar as fontes de capital para os clubes brasileiros, alguns dos quais, bem sabemos, até por não estarem submetidos aos princípios de governança e sem uma gestão profissional (o cartola nem sempre administra tendo em vista o interesse do clube como um todo), ficam à mercê de disputas políticas internas, interesses obscuros e, não raro, episódios de corrupção/má-gestão financeira acabam por levar o clube às raias da falência. E, por falar nisto, se agora clubes poderão ser constituídos como sociedades empresárias, também a eles poderão ser aplicadas as disposições da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falência e Recuperação de Empresas, ou LFR), o qual vai expressamente autorizado através do disposto no art. 13, inciso II, como também no art. 25, da Lei 14.193/2021. A aplicação da LFR às SAF pode ser interessante em alguns casos, sobretudo se considerado que, recentemente, foi a mesma modernizada em muitos pontos. Contudo, destaco o termo que expressa facultatividade – “poderão”, isto porque o legislador ao criar a SAF, sabedor das peculiaridades que gravitam em torno do financiamento dos clubes de futebol, dedicou um capítulo específico à insolvência coletiva. Não obstante a Lei 11.101/2005, retro mencionada, estabeleça um regime especial de insolvência coletiva do empresário e da sociedade empresária, muito embora a SAF sempre seja empresária, isto por se tratar de uma sociedade anônima, conforme o art. 2º, § 1º, da Lei nº 6.404/1976, existe a opção (conforme o art. 14, da Lei 14.193/2021), de uma SAF se submeter ao capítulo próprio da Lei que apresenta um “Regime Centralizado de Execuções”, com diversas particularidades em comparação àquele da LFR. Apenas causou surpresa a competência que o legislador conferiu ao Poder Judiciário para estabelecer a disciplina jurídica de tal Regime Centralizado, algo que normalmente é o próprio Legislativo quem costuma realizar, o que poderá gerar complexas discussões no tocante a questões de competência, porém esta parte merece ser abordada em um artigo específico. De qualquer modo, a opção por um ou outro regime de insolvência coletiva deverá ser estudado previamente e caso a caso, isto pelas implicações e singularidades de cada um deles. Ainda, cabe registrar acerca da SAF, agora quanto à possibilidade de obtenção de financiamento, a opção de emissão de valores mobiliários para serem negociados
O valor recebido da locação no AIRBNB deve ser tributado?
Esta é uma dúvida muito comum. Com a popularização da plataforma de intermediação de locações, cada vez mais pessoas estão se sentindo confiantes para colocar seu imóvel para alugar. Eis que então surge a dúvida: o valor recebido do Airbnb deve ser tributado? A economia de plataforma trouxe muitas facilidades para a vida moderna e tornou possível a aproximação entre locador e locatário de forma muito eficiente, eliminando custos que tornavam difíceis (para não dizer impossíveis) as transações. Quem se sentiria confortável para oferecer seu imóvel para um estranho há alguns anos atrás? A única alternativa seria a veiculação da oferta de locação em uma imobiliária, o que importava elevados custos e excessiva burocracia. No final, ainda havia o risco da inadimplência. O surgimento de plataformas de intermediação, ,como o Airbnb, resolve todos estes problemas. Locador e locatário são selecionados pela plataforma que os avalia por meio de notas e agrega confiança às partes. Mesmo sem jamais terem se conhecido, as partes confiam no sistema de cadastramento e intermediação criado pela companhia norte-americana. Essa pequena introdução serve para esclarecer o modelo de negócios inaugurado em 2007 pelos sócios Brian Chesky e Joe Gebbia e que hoje movimenta mais de US $ 110 bilhões anuais. A plataforma anuncia imóveis para locação e os anfitriões (nome que a plataforma dá ao locador) podem receber seus hóspedes (nome que a plataforma dá aos locatários) mediante o pagamento de diárias livremente estipuladas pelos anfitriões. Quanto o Airbnb cobra? Para intermediar o negócio, aproximar as partes e oferecer atendimento 24 horas, sete dias por semana, é cobrada uma taxa de 3{4d8a33db6a4f8be63685ca5f99243683488ab0823bc8dec57f535eb4999d33da} que é descontada do valor pago pelo hóspede ao anfitrião. Esta taxa, ,segundo informa a plataforma, é aplicada sobre o valor total cobrado. Quanto o Airbnb cobra? A maioria dos anfitriões paga uma taxa de serviço fixa de 3 do subtotal da reserva. O subtotal é o seu preço por noite somado à sua taxa de limpeza* e à taxa de hóspede adicional, se for o caso, e não inclui taxas e impostos do Airbnb. Os hóspedes normalmente pagam uma taxa de serviço de cerca de 14 do subtotal da reserva. Portanto, se o anfitrião estiver cobrando US$ 300 por uma estadia de três noites, mais US$ 60 pela taxa de limpeza, o subtotal da sua reserva é de US$ 360. Aproximadamente 3 (US$ 10,80) desse valor é deduzido dos seus ganhos como parte da taxa de serviço do anfitrião, e 14 (US$ 50,40) é cobrado dos hóspedes e incluído no valor total que eles pagam. Neste exemplo, o anfitrião ganharia US$ 349,20 e o hóspede pagaria US$ 410,40. As taxas de serviço do Airbnb são competitivas e eles não cobram pelo processamento de pagamentos, permitindo que os anfitriões fiquem com uma parte maior dos ganhos. Tomando como premissa esse regime contratual, pode-se fazer uma análise da tributação dos valores recebidos pelo anfitrião. Considerando que os valores recebidos encontram-se no conceito de renda tributável (art. 153, III da Constituição c/c art. 43 CTN), pode-se afirmar que o valor deve ser tributado pelo locador. Conforme preconiza o Regulamento do Imposto de Renda: Art. 41. São tributáveis os rendimentos decorrentes da ocupação, do uso ou da exploração de bens corpóreos, tais como ( Lei nº 4.506, de 1964, art. 21 ; Lei nº 5.172, de 1966 – Código Tributário Nacional, art. 43, § 1º ; e Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 4º ): I – aforamento, locação ou sublocação, arrendamento ou subarrendamento, direito de uso ou passagem de terrenos, seus acrescidos e suas benfeitorias, inclusive construções de qualquer natureza; II – locação ou sublocação, arrendamento ou subarrendamento de pastos naturais ou artificiais, ou campos de invernada; III – direito de uso ou aproveitamento de águas privadas ou de força hidráulica; IV – direito de uso ou exploração de películas cinematográficas ou de videoteipe; V – direito de uso ou exploração de outros bens móveis de qualquer natureza; e VI – direito de exploração de conjuntos industriais. § 1º Na hipótese de imóvel cedido gratuitamente, constitui rendimento tributável na declaração de ajuste anual o equivalente a dez por cento do seu valor venal, ou do valor constante da guia do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU correspondente ao ano-calendário da declaração, ressalvado o disposto na alínea “b” do inciso VII do caput do art. 35 ( Lei nº 4.506, de 1964, art. 23, caput, inciso VI ). § 2º Serão incluídos no valor recebido a título de aluguel os juros de mora, as multas por rescisão de contrato de locação e quaisquer outras compensações pelo atraso no pagamento, inclusive a atualização monetária. Os rendimentos devem ser informados mensalmente pelo regime do carnê-leão, sempre que ultrapassarem o limite de isenção mensal, conforme estabelece a tabela progressiva do imposto de renda: Assim, se o anfitrião receber valor superior a R$ 1.903,98 no mês, passa a ter o dever de informar a renda via carnê-leão. O imposto deverá ser pago até o último dia útil do mês subsequente ao recebimento dos rendimentos,, por meio de DARF, no código 0190. O imposto retido deverá ser pago pela pessoa jurídica até o último dia útil do mês subsequente ao fato gerador, por meio de DARF. Caso não o faça, será aplicada multa por atraso, acrescido da incidência da SELIC. Ao final do ano, os valores informados e declarados mês a mês são agregados ao rendimento anual que se submete a seguinte tabela de rendimentos: Suponhamos que você tenha recebido valor não superior a R$ 21.000,00 ao longo do ano. Porém, recebeu valores referente a locações em datas festivas que implica no recolhimento do imposto mensal via carnê-leão. Caso você não tenha nenhuma outra fonte de rendimento, o valor tributado do mês será devolvido por ocasião da declaração de ajuste anual, uma vez que que a renda estava protegida pela isenção. Outrossim, é importante levar em consideração que a legislação permite deduzir da renda tributável certos valores. Art. 42. Não serão computados no rendimento bruto, na hipótese de
Lei do ambiente de negócios é sancionada: veja o que impacta na advocacia tributária
O Governo havia editado a Medida Provisória n° 1.040/2021 que visava a melhorar o ambiente de negócios e desburocratizar a abertura de empresas. Nada mal, correto? Afinal, quem seria contra a tal intento? Se você conhece um pouco da tradição legislativa brasileira, já deve ter ouvido falar em Jabuti legislativo. Trata-se de um jargão muito comum na política para explicar a inserção “marota” de temas que não constavam originalmente do projeto e que foram parar lá. A origem da expressão, segundo dizem políticos mais experientes é do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, que dizia que “jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente”. Pois posso afirmar que a Lei n° 14.195/2021 que tem origem na MP 1.040/2021 é repleta de jabutis. A bagunça foi tanta que o texto aprovado sofreu inúmeros vetos do Presidente da República e alguns pontos foram vetados a pedido do Presidente de Senado. Se começarmos pelo objeto da lei, definido em seu artigo 1° perceberemos a quantidade de assuntos tratados: Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a facilitação para abertura de empresas, sobre a proteção de acionistas minoritários, sobre a facilitação do comércio exterior, sobre o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (Sira), sobre as cobranças realizadas pelos conselhos profissionais, sobre a profissão de tradutor e intérprete público, sobre a obtenção de eletricidade, sobre a desburocratização societária e de atos processuais e a prescrição intercorrente na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Além dos temas indicados no artigo acima reproduzido, há uma infinidade de assuntos que foram enfrentados entre um dispositivo e outro. O texto aborda tantos temas diferentes que seria muito complexo abordar todas as modificações promovidas pela nova lei. Decidi selecionar aquelas modificações que têm o potencial de impactar mais o cotidiano dos meus colegas advogados e contadores. Vou seguir a ordem estabelecida na lei, fazendo breves comentários sobre cada novo dispositivo. 1) FACILITAÇÃO PARA ABERTURA DE NOVAS EMPRESAS A Lei da Liberdade Econômica (Lei n° 13.874/2019) foi um extraordinário marco para a virada do pensamento dominante no direito que via a necessidade de regulamentar e burocratizar tudo. No entanto, a lei acabou devendo do ponto de vista prático. Acabou virando uma petição de princípios e depois acabou se percebendo que a modificação nos procedimentos burocráticos esbarra numa série de normas que as autoridades não conseguem se afastar. As modificações introduzidas pela Lei n° 14.195/2021 busca resolver estes entraves. É o caso, por exemplo, da Lei n° 11.598/2007 que, dentre outras disposições, criou a REDESIM. Em que pese a lei tenha sido publicada em 2007, ainda em 2021 (14 anos depois) ainda não havia sido simplificado o processo de abertura de empresas. A nova lei impõe 60 dias para que seja implementado o que não foi feito em 14 anos e confere ao Ministro da Economia a prerrogativa de notificar as autoridades para que cumpram. 2) PROTEÇÃO AOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS A Lei n° 14.195/2021 modifica dispositivos da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n° 6.404/76) para assegurar mais direitos aos acionistas minoritários. Merece destaque o dispositivo que trata do chamado “voto plural” (art. 110-a acrescentado na LSA). 3) DA FACILITAÇÃO DO COMÉRCIO EXTERIOR A Lei n° 14.195/2021 cria o guichê único para concessão de documentos, licenças e autorizações exigidas pelos mais variados órgãos da administração pública (art. 8°). Como se sabe que a burocracia se retroalimenta, a lei curiosamente veda a exigência de qualquer outra formalidade que não seja possível de ser atendida no guichê único (art. 9°). No capítulo, a lei insere na Lei n° 12.546/2011 (Reintegra) o dispositivo que trata do compartilhamento de dados com a Secretaria Especial do Comércio Exterior em relação a serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados. A medida chama a atenção porque o compartilhamento dos dados pode servir para fins de fiscalização da Receita Federal, merecendo atenção dos profissionais. 4) DO SISTEMA INTEGRADO DE RECUPERAÇÃO DE ATIVOS (SIRA) Este capítulo da nova lei cria a Super PGFN. Havia me manifestado publicamente com preocupação em conferir a um único órgão a prerrogativa, como diz a lei de: Art. 13. Fica o Poder Executivo federal autorizado a instituir, sob a governança da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (Sira), constituído de um conjunto de instrumentos, mecanismos e iniciativas destinados a facilitar a identificação e a localização de bens e de devedores, bem como a constrição e a alienação de ativos. Ocorre que este órgão é também um dos principais credores e os dados e informações que ficarão sob a sua custódia serão compartilhados com os demais credores? Simultaneamente? E se houver uma informação que favoreça a União Federal em detrimento dos demais credores, como por exemplo, o credor trabalhista? Esta informação privilegiada será compartilhada ou usada em primeiro lugar pela PGFN? É inegável que o país precisa melhorar a satisfação dos créditos como forma de trazer mais segurança para o ambiente de negócios, porém discordo que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional seja o órgão mais vocacionado para centralizar esta importante atribuição. Veremos o resultado dessa medida em poucos meses. Neste capítulo começam a surgir os jabutis. Veja, por exemplo, a alteração da Lei n° 9.430/96, criando as figuras da suspensão (art. 80 da Lei n° 9.430/96), inaptidão (art. 81 da Lei n° 9.430/96) e baixa da inscrição por suspensão ou inaptidão (art. 81-A da Lei n° 9.430/96) e que tal este dispositivo bem escondidinho na lei: “Art. 82. Além das demais hipóteses de inidoneidade de documentos previstas na legislação, não produzirá efeitos tributários em favor de terceiros interessados o documento emitido por pessoa jurídica cuja inscrição no CNPJ tenha sido considerada ou declarada inapta. Os jabutis não param de surgir. Veja a possibilidade de terceirização criada com a inclusão do artigo 19-F na Lei 10.522: “Art. 19-F. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá contratar, por meio de processo licitatório ou credenciamento, serviços de terceiros para auxiliar
Endowment fund: saiba o que são os fundos patrimoniais
A expressão ainda é bem desconhecida no Brasil, ainda que seja amplamente difundida no exterior. “Endowment fund” foi recepcionado no direito brasileiro pela expressão “fundo patrimonial”. Em apertada síntese, são fundos que recebem quantias de doadores pessoa física ou pessoa jurídica e passam a ser administrados por gestores profissionais que farão os recursos rentabilizarem no mercado financeiro para assegurar que o objetivo das doações seja assegurado. O endowment fund, ou também conhecido como fundo filantrópico, tem como objetivo principal assegurar que os projetos sociais ou culturais que receberam as doações sejam sustentáveis, na medida em que tais projetos devem ser custeados única e exclusivamente com os rendimentos que o fundo será capaz de produzir. Significa dizer que o montante doado jamais será gasto, uma vez que será o rendimento do fundo que custeará a obra social que motivou a constituição do fundo. Até 2019, a criação do fundo patrimonial era feita por analogias às normas aplicáveis aos fundos de investimento normais. No entanto, desde 4 de janeiro de 20219, quando entra em vigor a Lei n° 13.800, passa-se a ter um regramento específico para os fundos patrimoniais no Brasil. O novo diploma legal estabeleceu as seguintes definições (art. 2° da Lei n° 13.800/2019): I – instituição apoiada: instituição pública ou privada sem fins lucrativos e os órgãos a ela vinculados dedicados à consecução de finalidades de interesse público e beneficiários de programas, projetos ou atividades financiados com recursos de fundo patrimonial; II – organização gestora de fundo patrimonial: instituição privada sem fins lucrativos instituída na forma de associação ou de fundação privada com o intuito de atuar exclusivamente para um fundo na captação e na gestão das doações oriundas de pessoas físicas e jurídicas e do patrimônio constituído; III – organização executora: instituição sem fins lucrativos ou organização internacional reconhecida e representada no País, que atua em parceria com instituições apoiadas e que é responsável pela execução dos programas, dos projetos e de demais finalidades de interesse público; IV – fundo patrimonial: conjunto de ativos de natureza privada instituído, gerido e administrado pela organização gestora de fundo patrimonial com o intuito de constituir fonte de recursos de longo prazo, a partir da preservação do principal e da aplicação de seus rendimentos; V – principal: somatório da dotação inicial do fundo e das doações supervenientes à sua criação; VI – rendimentos: o resultado auferido do investimento dos ativos do fundo patrimonial; VII – instrumento de parceria: acordo firmado entre a organização gestora de fundo patrimonial e a instituição apoiada, que estabelece o vínculo de cooperação entre as partes e que determina a finalidade de interesse público a ser apoiada, nos termos desta Lei; VIII – termo de execução de programas, projetos e demais finalidades de interesse público: acordo firmado entre a organização gestora de fundo patrimonial, a instituição apoiada e, quando necessário, a organização executora, que define como serão despendidos os recursos destinados a programas, projetos ou atividades de interesse público; e A lei estabelece claramente que o fundo patrimonial será administrado pela chamada organização gestora (art. 3° da Lei n° 13.800/2019) que, de seu turno, girará em torno de uma associação civil, instituto ou fundação, conforme disciplina do Código Civil. A organização gestora deverá observar certas formalidades (art. 5° da Lei n° 13.800/2019), devendo ainda manter todos os registros contábeis, já que assume a contabilidade, escrituração fiscal e publicações oficiais do fundo (art. 6° da Lei n° 13.800/2019). A organização gestora do fundo deverá contar com os seguintes órgãos de deliberação, a saber: (a) conselho de administração (art. 8° da Lei n° 13.800/2019); (b) comitê de investimentos (art. 10 da Lei n° 13.800/2019); e (c) conselho fiscal (art. 11 da Lei n° 13.800/2019). Considerando que o fundo patrimonial objetiva financiar projetos de inegável interesse social, sem fins lucrativos, parece evidente que o fundo mereceria tratamento tributário diferenciado dos demais fundos com fins lucrativos. A Lei n° 13.800/2019 dispunha de dispositivos que tornavam claro o tratamento tributário a ser conferido. No entanto, os artigos 28, 29 e 30 foram vetados pelo Presidente da República, cujas razões: “As proposições com possibilidades de benefícios tributários dos quais decorram potencial renúncia de receitas devem atender aos requisitos da legislação orçamentária e financeira, em especial, o artigo 14 da Lei Complementar nº 101, de 2000 (LRF), o artigo 114 da Lei nº 13.473, de 2017 (LDO-2018) e o art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).” O veto aos dispositivos trouxe insegurança e comprometia o futuro do instituto. Foi então que o Subsecretário de Inovação da Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação do Ministério da Economia formulou consulta à Receita Federal que respondeu na Solução de Consulta COSIT n° 178 de 29 de setembro de 2021. A Solução de Consulta inicia afastando a incidência da imunidade para a organização gestora nos seguintes termos: A questão acima está prejudicada em relação à imunidade, uma vez que, conforme já fundamentado, as organizações gestoras de fundos patrimoniais não fazem jus às imunidades do art. 150, VI, “c” da CF/88 por não serem entidades citadas nesse dispositivo. Por outro lado, a Solução de Consulta reconhece a possibilidade da organização gestora gozar da isenção prevista no artigo 15 da Lei n° 9.532/97, desde que observadas as condições estabelecidas na legislação: Assim colocado, então, não há, per se, razões para o instituto das organizações gestoras de fundo patrimonial constituídas na forma de entidade prevista no art. 15 da Lei no 9.532, de 1997 ser incompatível com a isenção nele prevista, ainda que a entidade gestora mantenha o principal de seu fundo patrimonial aplicado e utilize apenas os rendimentos em apoio aos projetos de interesse público. Salienta-se, contudo, que, para o gozo da isenção, todos os demais requisitos legais devem ser observados. A posição oficial da Receita Federal publicizada na referida Solução de Consulta é muito importante para conferir segurança jurídica para aqueles contribuintes que desejam constituir um fundo patrimonial e financiar projetos sociais e/ou culturais. No entanto, a Solução de Consulta acaba por trazer uma limitação
A repercussão da pandemia no conceito de insumo para creditamento de PIS e COFINS
É interminável a discussão sobre o conceito de insumo para fins de creditamento de PIS e COFINS. O ,Superior Tribunal de Justiça definiu que é considerado insumo tudo aquilo que é essencial ou relevante para o desenvolvimento da atividade econômica do contribuinte, todo o trabalho de revisão fiscal e apuração de crédito retorna à pergunta fundamental: este item pode ser considerado imprescindível? Há mais dúvidas do que certezas e minuciosamente as questões vão sendo enfrentadas pela Receita Federal e sobretudo pelos Tribunais. A pandemia acabou por promover uma verdadeira revolução na percepção daquilo que é considerado “essencial e relevante” para efeito de aplicação do precedente do STJ (Recurso Especial n° 1.221.170). Se antes do COVID-19, alguns itens ensejavam dúvidas sobre a sua essencialidade em determinados setores, hoje não se questiona a sua imprescindibilidade. O ,Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) admitiu que o serviço de telemarketing pudesse ser passível de geração de crédito de PIS e COFINS em atenção ao critério estabelecido pelo Superior Tribunal de Justiça: Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins Período de apuração: 01/01/2013 a 31/12/2013 NÃO CUMULATIVIDADE. INSUMOS. CRÉDITOS. CONCEITO. O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte (STJ, do Recurso Especial nº 1.221.170/PR). NÃO CUMULATIVIDADE. INSUMOS. COMISSÃO. Os custos com comissões pagas sobre as vendas de consórcios nas administradoras de consórcios geram direito a crédito do PIS e da Cofins, por preencherem a definição de insumo estabelecida na legislação de regência, já que se tratam de gastos aplicados ou consumidos diretamente na execução do serviço. NÃO CUMULATIVIDADE. INSUMOS. SERVIÇOS. Os serviços de telemarketing, registros de gravame e pesquisa, atividades administrativas rotineiras, correio e impressão eletrônica pagas a administradoras de consórcios, são aplicados ou consumidos na prestação de serviços de administração de consórcios, portanto, se caracterizam como insumos, e geram crédito de não-cumulatividade. Aplica-se ao PIS a ementa da COFINS. (CARF, Processo n° 10805.720578/2017-21, Acórdão n° 3302-006.528, Relator, Walker Araujo, sessão 30/01/2019) É bem verdade que o caso é anterior à pandemia e não enfrenta expressamente a questão referente às despesas com implantação de home office, mas é possível estabelecer um paralelo a partir do referido precedente. Se as regras de distanciamento social impuseram o trabalho remoto e a implantação deste ensejou a contratação de serviços e equipamentos para tornar viável a manutenção da atividade da contribuinte, parece-me inafastável o reconhecimento da essencialidade de tal despesa à teor da tese fixada pelo STJ (Temas 779 e 780): o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte. Recentemente, a Receita Federal exarou posição sobre o creditamento de PIS e COFINS sobre equipamentos de proteção individual contra a COVID-19, tais como álcool gel, luvas e máscaras. Vale reproduzir a ementa da ,Solução de Consulta COSIT n° 164 de 27 de setembro de 2021: Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep NÃO CUMULATIVIDADE. CRÉDITOS. INSUMOS. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. ÁLCOOL EM GEL. LUVAS. MÁSCARAS DE PROTEÇÃO CONTRA A COVID-19. Os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) que tiverem sido fornecidos pela pessoa jurídica a trabalhadores por ela alocados nas suas atividades de produção de bens podem ser considerados insumos para fins da apropriação de créditos na apuração não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep. Embora não sejam consideradas EPIs, as máscaras de proteção contra a Covid-19 que, em cumprimento de norma de caráter excepcional e temporário prevista na legislação de combate à referida doença, tiverem sido fornecidas pela pessoa jurídica a trabalhadores por ela alocados nas suas atividades de produção de bens podem ser considerados insumos para fins da apropriação de créditos na apuração não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep durante o período em que a referida legislação for aplicável. Os EPIs e as máscaras destinadas à proteção contra a Covid-19 que tiverem sido fornecidos pela pessoa jurídica a trabalhadores por ela alocados nas atividades administrativas não podem ser considerados insumos para fins da apropriação de créditos na apuração não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep. SOLUÇÃO DE CONSULTA PARCIALMENTE VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 183, DE 31 DE MAIO DE 2019, E À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 318, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2019. Dispositivos Legais: Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, II; Parecer Normativo Cosit/RFB nº 5, de 2018; Norma Regulamentadora nº 6, com redação da Portaria SIT nº 25, de 15 de outubro de 2001; Portaria Conjunta nº 20, de 18 de junho de 2020, editada pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e pelo Ministério da Saúde. Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins NÃO CUMULATIVIDADE. CRÉDITOS. INSUMOS. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. ÁLCOOL EM GEL. LUVAS. MÁSCARAS DE PROTEÇÃO CONTRA A COVID-19. Os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) que tiverem sido fornecidos pela pessoa jurídica a trabalhadores por ela alocados nas suas atividades de produção de bens podem ser considerados insumos para fins da apropriação de créditos na apuração não cumulativa da Cofins. Embora não sejam consideradas EPIs, as máscaras de proteção contra a Covid-19 que, em cumprimento de norma de caráter excepcional e temporário prevista na legislação de combate à referida doença, tiverem sido fornecidos pela pessoa jurídica a trabalhadores por ela alocados nas suas atividades de produção de bens podem ser considerados insumos para fins da apropriação de créditos na apuração não cumulativa da Cofins durante o período em que a referida legislação for aplicável. os EPIs e as máscaras destinadas à proteção contra a Covid-19 que tiverem sido fornecidas pela pessoa jurídica a trabalhadores por ela alocados nas atividades administrativas não podem ser considerados insumos para fins da apropriação de créditos na apuração não cumulativa da Cofins. SOLUÇÃO DE CONSULTA PARCIALMENTE VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT