STF VOLTA A JULGAR A INCIDÊNCIA DO ITCD SOBRE BENS NO EXTERIOR
É possível que o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD ou ITCMD) incida sobre bens localizados no exterior? Essa é a discussão instaurada no Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n° 851.108 que foi afetado ao regime de julgamento da Repercussão Geral (Tema 825). Significa dizer que a decisão neste caso será aplicável a todos os casos análogos no país. O ITCD é um tributo de competência dos Estados e DF que incide sobre a transmissão em razão da morte ou devido à celebração de um contrato de doação. Como o tributo é de competência dos Estados, a Constituição definiu que a incidência se dá no lugar do bem imóvel ou onde se processa o inventário quando se tratar de bem móvel. Ocorre que sobre o patrimônio localizado no exterior o Brasil, em tese, não teria jurisdição. Competiria à jurisdição do país em que sediado o bem exigir o recolhimento do seu respectivo tributo para permitir a transferência aos herdeiros. Até o fechamento deste artigo, o STF estava afastando a tributação dos bens por dois votos: Min. Dias Toffoli e Min. Edson Fachin. O Min. Alexandre de Morais pediu vista e promete depositar seu voto no julgamento virtual na data de 19/02/2021. Caso não seja requisitado novo pedido de vista, o julgamento final será proclamado no dia 26/02/2021. Este julgamento é emblemático para as estratégias de planejamento sucessório justamente porque o envio de parcela do patrimônio para o exterior é utilizado como forma de proteção do acervo, diversificação de investimento e garantia de segurança jurídica. Em outro texto publicado aqui eu já havia alertado para o aumento do interesse do planejamento sucessório com base no risco do aumento do ITCD. Este e outros fatores estimulam os proprietários de grandes patrimônios a deslocarem seus bens para países com tributação menos agressiva. No entanto, é preciso tomar cuidado pois a depender da jurisdição escolhida, o tributo sobre a herança seja até mais pesado que aquele aplicado no território nacional. O caso em julgamento envolve o patrimônio recebido por uma advogada do seu pai que residia na Itália. Segundo o fisco de São Paulo, o contencioso envolve a disputa de R$ 5,4 bilhões de reais. Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/02/18/stf-decide-se-estados-podem-cobrar-itcmd-sobre-heranca-no-exterior.ghtml
ITBI E HOLDING IMOBILIÁRIA: REPERCUSSÕES DO JULGAMENTO DO TEMA 796, STF
As estratégias de planejamento tributário e sucessório passam, muitas vezes, pela utilização de uma pessoa jurídica que administrará o patrimônio da família. Em outro artigo publicado, eu comentei a vantagem de utilizar uma pessoa jurídica para otimizar a tributação. Expliquei o tratamento tributário dos imóveis recebidos na pessoa jurídica à luz da tributação da renda. Neste artigo, pretendo abordar a questão envolvendo a transferência dos imóveis da pessoa física para a pessoa jurídica administradora do patrimônio que doravante será chamada de holding. Leia mais em: A HOLDING PODE GERAR REDUÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA? No Brasil, a transmissão onerosa de bens imóveis se submete à incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), conforme preceitua o artigo 156, II da Constituição. Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…) II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; Assim, sempre que se verificar uma transmissão onerosa de bem imóvel, deve-se recolher o ITBI em favor do Município em que registrado o imóvel. No entanto, a Constituição afastou a incidência do ITBI quando a transmissão se der por meio de uma operação societária. Vale reproduzir o texto: Art. 156. (…) § 2º O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil; A chamada imunidade do ITBI ensejou inúmeras discussões sobre o seu real alcance. A jurisprudência havia consolidado entendimento que a imunidade não poderia ser aproveitada se a sociedade tivesse como atividade preponderante “a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil“. O critério de preponderância utilizado pelos Tribunais sempre foi aquele fixado pelo Código Tributário Nacional: Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição. § 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subseqüentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo. § 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição. § 3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data. § 4º O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante. O Superior Tribunal de Justiça ao apreciar a controvérsia sobre a norma, firmou orientação que a preponderância da atividade é um requisito para fruição da imunidade: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ITBI. ISENÇÃO. TRANSMISSÃO DE BENS E DIREITOS INCORPORADOS AO CAPITAL SOCIAL DE PESSOA JURÍDICA. EXCEÇÃO. ATIVIDADE IMOBILIÁRIA PREPONDERANTE. NECESSIDADE DE CUMULAÇÃO POR QUATRO ANOS. INTERPRETAÇÃO LITERAL. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Não incide ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. 2. Considera-se caracterizada a atividade preponderante quando mais de 50% da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 anos anteriores e nos 2 anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações de venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição. 3. O CTN prevê que a legislação tributária que disponha sobre isenção deve ser interpretada literalmente (art. 111). O legislador expressou a ideia de adição/soma, para definir o conceito de atividade preponderante para fins de imunidade de ITBI, não cabendo aos interpretes da lei ampliar/restringir o seu conceito. 4. Portanto, para que a atividade não seja considerada preponderante, é necessária a demonstração de que em todos os quatros anos, nos dois anos anteriores e nos dois subsequentes à operação de integralização do capital social, não houve a obtenção de receita operacional majoritariamente proveniente de fontes relacionadas a atividade imobiliária. 5. No caso em exame, os balanços dos anos de 2004 e 2005 demonstram a preponderância das receitas de atividades mobiliarias – o que é, inclusive, admitido pela recorrente -, o que afasta, por si só, a pretensão da imunidade tributária pretendida. 6. A atividade preponderante se caracteriza quando mais de 50% da receita operacional da adquirente, nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes à aquisição, decorre de transações imobiliárias, de modo que, quaisquer transações imobiliárias que gerem receitas à adquirente, próprias ou não, devem ser levadas em consideração para efeitos da análise da atividade preponderante, não se restringindo às transações realizadas pela própria adquirente. 7. Conforme constou da decisão recorrida, a fiscalização concluiu que em 2004 e 2005 mais de metade do faturamento da empresa, nos dois períodos, resultou de atividade imobiliária, além de, em 2006 e 2007, ter receitas preponderantes de participação no resultado de controladas, cujos objetivos sociais são as mesmas atividades impeditivas ao reconhecimento da imunidade. 8. Portanto, a atividade preponderante restou evidenciada, diretamente e mediante participação em empresas controladas, com atividades da mesma natureza, o que impede a concessão da imunidade. 9. Recurso especial não provido. (REsp 1336827/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/11/2015, DJe 27/11/2015) O tema ganhou novos contornos a partir do
TRIBUTAÇÃO DE IMÓVEIS NA HOLDING
É muito comum o interesse de constituição de holding para a gestão de patrimônio imobiliário. A pessoa concentrou suas economias na aquisição de imóveis e, em determinado momento da vida, questiona se a administração desse patrimônio está correta. Seria vantajoso constituir uma pessoa jurídica? Esta e outras dúvidas eu tentei responder no meu livro Dicas para o planejamento sucessório. Defendo que a profissionalização da gestão e a harmonização dos interesses da família é organizada mais facilmente dentro de uma pessoa jurídica. Como parcela considerável dos interessados em planejamento sucessório apresenta um patrimônio majoritariamente concentrado em bens imóveis, decidi tratar da tributação destes bens e esboçar algumas questões contábeis importantes. Num artigo escrito recentemente, destaquei a diferença da tributação entre pessoa física e pessoa jurídica, sugerindo que em muitos casos a tributação do patrimônio administrado é mais vantajosa na pessoa jurídica. Uma vez tendo optado pela constituição da holding, o passo seguinte é alocar os bens de forma adequada na contabilidade, pois esta classificação gera repercussões na apuração dos tributos. Ao receber os bens imóveis, a holding deve registrar a propriedade na conta de ativos, podendo classificá-lo como ativo circulante ou ativo não-circulante. Assim prevê a Lei n° 6.404/76: Art. 178. No balanço, as contas serão classificadas segundo os elementos do patrimônio que registrem, e agrupadas de modo a facilitar o conhecimento e a análise da situação financeira da companhia. § 1º No ativo, as contas serão dispostas em ordem decrescente de grau de liquidez dos elementos nelas registrados, nos seguintes grupos: I – ativo circulante; e (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) II – ativo não circulante, composto por ativo realizável a longo prazo, investimentos, imobilizado e intangível. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) A ativação dos bens em cada grupo de contas deve levar em consideração a prescrição contida na Lei n° 6.404/76: Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo: I – no ativo circulante: as disponibilidades, os direitos realizáveis no curso do exercício social subseqüente e as aplicações de recursos em despesas do exercício seguinte; II – no ativo realizável a longo prazo: os direitos realizáveis após o término do exercício seguinte, assim como os derivados de vendas, adiantamentos ou empréstimos a sociedades coligadas ou controladas (artigo 243), diretores, acionistas ou participantes no lucro da companhia, que não constituírem negócios usuais na exploração do objeto da companhia; III – em investimentos: as participações permanentes em outras sociedades e os direitos de qualquer natureza, não classificáveis no ativo circulante, e que não se destinem à manutenção da atividade da companhia ou da empresa; IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens; (Redação dada pela Lei nº 11.638,de 2007) V – (Revogado pela Lei nº 11.941, de 2009) VI – no intangível: os direitos que tenham por objeto bens incorpóreos destinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido. (Incluído pela Lei nº 11.638,de 2007) Parágrafo único. Na companhia em que o ciclo operacional da empresa tiver duração maior que o exercício social, a classificação no circulante ou longo prazo terá por base o prazo desse ciclo. Assim, se a holding envolver, por exemplo, um imóvel que foi adquirido para ser vendido dentro do exercício, a classificação é “ativo circulante”. Se, por outro lado, o imóvel adquirido foi adquirido, mas não há perspectiva de alienação no exercício, este bem deve ser apropriado na conta “ativo circulante – investimentos”. De outro modo, se o bem adquirido é a sede da empresa ou residência de algum sócio, este ativo deve ser classificado como “imobilizado”. Esta classificação segue inclusive a orientação do Comitê de Pronunciamento Contábil (CPC) n° 27 e também o Pronunciamento Técnico CPC 28 – Propriedades para Investimento. Qual a consequência desta distinção? A consequência é que a alienação de bens do ativo circulante se beneficia da alíquota reduzida do IRPJ e CSLL, consoante estabelecem os arts. 15 e 20 da Lei nº 9.249, de 1995. A presunção geral de 8% para o IRPJ e de 12% para a CSLL e presunções específicas para algumas atividades destacadas também está regulamentada na Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 14 de março de 2017. Por outro lado, se a alienação recair sobre bem classificado como ativo não circulante, deve-se aplicar a disciplina a tributação do ganho de capital, conforme dispõe o § 1º do art. 25 da Lei nº 9.430, de 1996, e arts. 11 e 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977. Esta distinção gera repercussões tributárias muitas vezes não alertada aos contribuintes e, não raras vezes, enseja muitas dores de cabeça. Uma solução encontrada por alguns profissionais foi a devolução do bem do ativo imobilizado para o sócio de modo sem alteração do valor do registro contábil para que a venda seja realizada pela pessoa física e assim reduzir o percentual da tributação. No entanto, essa controvérsia pode chegar ao fim. A Receita Federal exarou Solução de Consulta COSIT n° 07 em 4 de março de 2021 que traz um alento para os contribuintes que se utilizam de holding patrimonial como forma de gestão de imóveis. Vale transcrever a ementa da solução de consulta: Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ LUCRO PRESUMIDO. ATIVIDADE IMOBILIÁRIA. VENDA DE IMÓVEIS. IMOBILIZADO. INVESTIMENTO. RECEITA BRUTA. GANHO DE CAPITAL. Para fins de determinação da base de cálculo do IRPJ, a receita bruta auferida por meio da exploração de atividade imobiliária relativa à compra e venda de imóveis próprios submete-se ao percentual de presunção de 8% (oito por cento). Essa forma de tributação subsiste ainda que os imóveis vendidos tenham sido utilizados anteriormente para locação a terceiros, se essa atividade constituir objeto da pessoa jurídica, hipótese em que as receitas dela decorrente compõem o resultado operacional e a receita bruta da pessoa jurídica. A receita
A HOLDING PODE GERAR REDUÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA?
Este é um dos temas mais importantes para a estruturação de uma sociedade de administração de patrimônio, pois pode indicar a recomendação para a montagem da holding ou certeza para não fazer. É certo que constituir uma pessoa jurídica envolve custos de abertura e conformidade e, em certos casos, pode não se revelar recomendável utilizar. E como saber, então? Para chegar a conclusão e orientar o contribuinte sobre o melhor posicionamento é preciso compreender a tributação da pessoa física em contraste com aquela incidente sobre pessoa jurídica. No meu livro Dicas para o Planejamento Sucessório abordo a legislação aplicável para demonstrar esta diferença e você pode baixar gratuitamente. Nos limites da abordagem que quero aqui estabelecer, resumo da seguinte forma: Pessoa Física deverá recolher: – Imposto de Renda na tabela progressiva – Contribuição Previdenciária (caso o contribuinte já não recolha no teto). Pessoa Jurídica deverá recolher: – Imposto de renda – Contribuição social sobre o lucro líquido – PIS – Cofins – Contribuição previdenciária sobre o pró-labore do sócio administrador À primeira vista, a pessoa jurídica parece levar desvantagem porque acaba recolhendo mais tributos que a pessoa física. No entanto, somadas as incidências e aplicando os percentuais corretamente para cada atividade, você poderá perceber que, em alguns casos, a tributação da atividade na pessoa jurídica pode ser vantajosa. Tomemos, a título exemplificativo, um proprietário de terras rurais que arrenda seu imóvel para a exploração de terceiros. O contrato de arrendamento prevê o pagamento de um valor anual de R$ 550.000,00. Agora vou ilustrar a incidência dos tributos na renda deste arrendamento hipoteticamente criado: Nota-se uma diferença significativa para a tributação submetida ao regime do lucro presumido em contraste com o lucro real e igualmente mais vantajosa em relação ao regime da pessoa física.Basicamente a diferença é 27,5% da pessoa física contra 11,33% da pessoa jurídica! Evidentemente que o lucro real não foi corretamente apurado porque estamos apenas hipotetizando e seria necessário verificar a possibilidade de dedução de gastos e despesas autorizadas pela legislação tributária. Do mesmo modo, não foi utilizado, no exemplo, a possibilidade de redução da base de cálculo do IRPF com a utilização de livro-caixa, o que pode apresentar variação no valor final. De qualquer modo, a tabela tem apenas o efeito de ilustrar a distinção utilizando-se um exemplo hipotético para a finalidade perseguida com este artigo, qual seja: avaliar as vantagens e desvantagens de se utilizar uma pessoa jurídica como estratégia de planejamento sucessório e tributário. No exemplo hipotético também não foi comparada a incidência da contribuição previdenciária por envolver uma gama de variáveis e, em qualquer cenário, a distinção seria marginal. O ponto que levantei com este artigo é a necessidade de avaliar a origem da renda do caso concreto simular os cenários numa planilha e avaliar a conveniência de se recomendar a constituição de uma empresa ou sugerir a manutenção da tributação na pessoa física.
TRIBUTAÇÃO DO TRUST
Quem assessora famílias com ativos sediados no exterior deve ter no portfólio a possibilidade de utilização de um instituto comum no direito norteamericano, mas desconhecido no ordenamento pátrio: é a figura do Trust. Trata-se de uma entidade formalizada por um contrato, na qual o instituidor (settlor ou grantor) aporta bens e direitos que serão administrados pelo “trustee” e no evento convencionado serão destinados ao beneficiário ou beneficiários. Este contrato celebrado não se equipara a uma pessoa jurídica, assemelhando-se mais a um fundo ou condomínio para tentar aproximar o instituto alienígena da realidade brasileira. Reside nesta singularidade a vantagem de instituição do trust, pois o patrimônio ali depositado não pertence mais ao doador, porém o “settlor” possui a prerrogativa de liquidar o trust quando bem entender. Ao transferir a propriedade dos bens para o trust, o doador não responde mais pelos bens e inclusive do ponto de vista da incidência de tributos sobre o patrimônio. Quando ocorre o evento de transferência para os beneficiários, igualmente fica dispensado o recolhimento de tributos pois esta operação não configura transmissão em razão da morte. Ocorre que a Receita Federal emitiu Solução de Consulta n° 41 em março de 2020 através da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) para afirmar que os valores recebidos pelos beneficiários dever ser tributado pelo imposto de renda: ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF RENDIMENTO RECEBIDO DE FONTE NO EXTERIOR. O recebimento de rendimentos oriundos do exterior por residente no País é fato gerador do imposto sobre a renda e sujeita-se à tributação mensal mediante a aplicação da tabela progressiva mensal (carnê-leão) e na Declaração de Ajuste Anual. Dispositivos Legais: Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 43, Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, arts. 7º e 8º, Lei nº 7.713, de 1988, art. 8º, Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/2018) arts. 118, caput, 119 e 120, aprovado pelo Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018, e Instrução Normativa RFB nº 1.500, de 29 de outubro de 2014, arts. 53, inciso II, e 54. ASSUNTO: PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL INEFICÁCIA PARCIAL. É ineficaz a parte da consulta que não se refere à interpretação da legislação tributária e aduaneira federal, relativa aos tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB). Dispositivos Legais: Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013, arts. 1º, 3º, § 2º, e 18, incisos I e XIII. A solução de consulta pressupõe que os herdeiros estariam recebendo uma renda tributável proveniente do exterior, o que autorizaria a aplicação do artigo 8° da Lei n° 7.713/88. Além disso, a solução de consulta também desconsidera a natureza jurídica do instituto tratando como uma pessoa jurídica de direito privado que estaria distribuindo uma renda para os beneficiários. O caso envolve a criação de uma entidade despersonalizada que muito se assemelha ao usufruto utilizado no direito brasileiro. Não há falar em transmissão onerosa de bens, haja vista que o recebimento do patrimônio em favor dos beneficiários é tratado como doação, o que não atrairia a incidência do imposto de renda. Recentemente foi noticiado no jornal Valor Econômico que o primeiro caso foi examinado pelo Judiciário e a decisão liminar foi desfavorável. O processo (mandado de segurança nº 5017217-81.2020.4.03.61 00) é de um beneficiário de trust na Nova Zelândia. Ele alega que os valores geridos pelo trustee foram declarados e objeto de tributação pelo IRPF ao aderir ao programa de repatriação – o Regime Especial de Regularização Cambial Tributária (Rerct). E que recebeu doações do fundo, entre 2016 e 2019, que foram declaradas à Receita Federal e tributadas pelo ITCMD. O precedente referido foi julgado no sentido de reconhecer a incidência do imposto de renda sobre os valores recebidos, o que preocupa aqueles que acompanham a matéria e possuem clientes que utilizam a estratégia.
DOAÇÃO DE QUOTAS COM RESERVA DE USUFRUTO
Dentre as estratégias possíveis para o planejamento sucessório, merece destaque a constituição da holding familiar. Trata-se de uma forma de organização do patrimônio, gestão eficiente dos ativos e otimização da tributação na sucessão. Dentre os vários benefícios, pode-se ainda identificar a possibilidade de atenuar ou evitar os conflitos familiares utilizando-se ferramentas de governança corporativa. A questão que pretendo abordar aqui diz respeito à celebração do contrato de doação das quotas da holding em favor dos herdeiros, como forma de antecipar a sucessão no âmbito da holding. Com o contrato de doação, os herdeiros passam a ser titulares de uma fração do patrimônio. A doação das quotas submete-se à tributação do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD – art. 155, I, Constituição) e a partir do recolhimento do tributo, o patrimônio pode constar do rol de bens do donatário regularmente. Ocorre que a partir da doação das quotas, o doador passa a não ostentar o direito de usufruir dos rendimentos da sociedade. Em outras palavras, os lucros e dividendos distribuídos aos sócios pertencerão aos donatários. Se o doador tiver celebrado a doação com os filhos ainda jovens e nutrindo a expectativa de usufruir dos rendimentos do patrimônio por mais tempo, estaríamos diante de um problema. Como solucionar? É neste contexto que se revela interessante a utilização do usufruto. Previsto no Código Civil nos artigos 1.390 a 1.411, em linhas gerais, a instituição de usufruto cria uma divisão da propriedade do bem. O nu-proprietário conserva apenas a faculdade de dispor da coisa (jus abutendi ou jus disponendi) e o usufrutuário, de seu turno, ostenta o direito de explorá-la economicamente, recebendo os frutos e utilidades que ela produz (jus utendi e jus fruendi). Logo, realizar a doação das quotas com reserva de usufruto seria uma estratégia interessante para assegurar ao doador, agora usufrutuário o direito de explorar economicamente as quotas. Porém, a isenção do imposto de renda sobre os lucros e dividendos (art. 10 da Lei n° 9.249/95) se aplica ao usufrutuário? É certo que o sócio/acionista possui isenção dos lucros e dividendos distribuído pela sociedade, mas esta isenção se aplicaria também ao doador que deixou de ser sócio a partir da doação e conserva o direito de usar e fruir das quotas pela usufruto? Vale reproduzir o artigo 10 da Lei n° 9.249/95: Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributa- das com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior. O dispositivo não refere expressamente sobre o usufruto, o que ensejou durante certo tempo uma interpretação equivocada por parte da Receita Federal de que o usufrutuário não estava amparado com a isenção. A lei refere “beneficiário” e não sócio ou acionista. Quisesse restringir, o legislador teria sido expresso. Logo, é evidente à luz da legislação civil o usufrutuário é o beneficiário dos lucros e dividendos distribuídos. Felizmente, em março de 2018, a Receita Federal do Brasil, por meio da sua Coordenação Geral de Tributação, emitiu a Solução de Consulta Cosit n° 38 que uniformizou o entendimento sobre o tema nos seguintes termos: ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA – IRPJ EMENTA: USUFRUTRO (sic) DE AÇÕES. DIVIDENDOS. TRIBUTAÇÃO. Os lucros ou dividendos pagos ao usufrutuário das ações da empresa constituem rendimento não sujeito à tributação pelo imposto de renda, desde que tenham sido calculados com base em resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996. Dispositivos Legais: Lei no 6.404, de 1976, arts. 40 e 116; Lei no10.406, de 2002, arts. 1.390 a 1.411; Lei no 9.249, de 1995, art. 10. Desde a publicação da orientação acima reproduzida não remanesce qualquer dúvida que os rendimentos pagos em favor do usufrutuário gozam da isenção prevista no artigo 10 da Lei n° 9.249/95. Portanto, é possível sustentar que a estratégia da celebração do contrato de doação com reserva do usufruto é uma estratégia válida, lícita e vantajosa do ponto de vista tributário.
PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO GARANTE BLINDAGEM PATRIMONIAL?
Algumas empresas de assessoria patrimonial vendem o serviço de “blindagem patrimonial” como objetivo do planejamento sucessório/empresarial. Isso é possível? Em primeiro lugar é preciso esclarecer que a constituição de uma pessoa jurídica confere segregação patrimonial em relação aos bens pertencentes aos sócios. Significa dizer que a sociedade titula direitos e obrigações que não se confundem com os direitos e obrigações dos sócios. Num primeiro momento, pode-se afirmar que a conferência de bens da família para uma sociedade separa o patrimônio de eventuais riscos e conflitos familiares. A dívida da sociedade não deve ser cobrada dos sócios e a dívida do sócio não pode ser cobrada da sociedade. Esta é a regra e a razão de existir uma pessoa jurídica, com autonomia e personalidade jurídica própria. Ocorre que a história nos ensina que algumas pessoas se serviram da sociedade para perpetrar fraude contra credores, praticar golpes e se furtar ao cumprimento de suas obrigações. O direito se deparou com o dilema: poderia alguém praticar ilícito e esconder seu patrimônio numa sociedade? Em resposta, o direito criou o instituto da desconsideração da personalidade jurídica que originalmente foi concebido para coibir abusos. Trata-se de importante instituto para realizar a distinção entre aqueles que licitamente constituem uma pessoa jurídica daqueles que abusivamente se valem dela. Como num pêndulo, o direito se moveu para coibir um abuso e acabou, por excesso de aplicação da desconsideração, cometendo outros ainda maiores. Explico: a partir da difusão do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, o Judiciário passou a aplicá-lo de forma exagerada, chegando em alguns casos a nem considerar a autonomia patrimonial originalmente concebida. A onda começou no direito do consumidor, espalhou-se no direito do trabalho, tomou força no direito tributário e acabou contaminando toda a prática jurídica, a ponto de não ser possível garantir que a busca por autonomia patrimonial fosse efetivamente garantida. Novamente se faz a pergunta: planejamento pode conferir blindagem patrimonial? A resposta vai depender do tipo de risco e/ou credores estivermos falando e de algumas questões que devem ser criteriosamente analisadas por um profissional gabaritado. No intuito de coibir os abusos e restringir a aplicação exagerada do instituto, a Lei da Liberdade Econômica trouxe nova redação ao artigo 50 do Código Civil que estabelece as condições para aplicação da disregard: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019) § 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) A inovação legislativa melhora o cenário e fornece critérios mais precisos para que os profissionais possam elaborar o planejamento sucessório, assim como para que o Judiciário possa melhor aplicar o importante instituto. O ponto que merece ser destacado é que a utilização do planejamento sucessório não serve para lesar credores. É possível adotar estratégia para conferir proteção ao patrimônio familiar para que não esteja sujeito a todo o tipo de ameaça como conflito familiar, risco do negócio da empresa, constrição em razão de disputas que não deveriam atingir o patrimônio familiar. No entanto, não se pode utilizar do planejamento para fraudar execução, lesar credores e assim permitir que vigaristas saiam ilesos de suas falcatruas. Para estes casos, há remédio jurídico e o Judiciário estará atento para atuar. Para todos os outros, é possível sim realizar a proteção do patrimônio, observando a legislação vigente.
É MORALMENTE CORRETO PLANEJAR A SUCESSÃO?
É moralmente correto realizar planejamento sucessório? Haveria alguma reprovação moral na conduta de quem decide antecipar o futuro do patrimônio? Em outro artigo aqui, comentei a discussão em torno do planejamento tributário. O Supremo Tribunal Federal está em vias de reconhecer o direito fundamental ao planejamento tributário, encerrando o debate em torno da constitucionalidade, já que a licitude não se controverte. Havendo norma jurídica vigente que ampara a decisão do contribuinte, parece inequívoco afirmar que a decisão em torno do planejamento é juridicamente válida. No entanto, foi inaugurado um novo debate em matéria de tributação, chamada de “Tax morality”. Não obstante a licitude da conduta, seria moralmente correto planejar para recolher menos tributos? O caso Apple vs União Europeia é emblemático sobre o debate. Em julgamento perante a Corte Europeia, a Apple defendeu a licitude da sua estrutura tributária, enquanto que os julgadores redarguiram que seria moralmente incorreto. Refazendo a pergunta: pode-se considerar moralmente correto executar um planejamento sucessório? Vou responder a pergunta, mas antes quero enfrentar os dilemas morais. O primeiro dilema moral coloca em xeque o desejo da família em debater e discutir o futuro do patrimônio de pessoas ainda vivas. Num primeiro momento, o senso comum reprovaria esse comportamento, pois soa extremamente desrespeitoso. Porém, cabe perguntar: é moralmente reprovável essa conduta? A família que decide estipular as condições da sucessão antecipadamente é menos correta do ponto de vista moral que aquela que não trata do assunto? Respeitando quem pensa diferente, acredito que aqui reside uma grande hipocrisia. Deliberar sobre a sucessão com os membros da família vivos é moralmente correto porque oportuniza a igualdade de condições entre os familiares de exporem suas posições e acordarem sobre o melhor destino dos bens. A pretexto de “respeitar os membros da família”, posterga-se a decisão para após a morte de um dos familiares, o que já configura deslealdade, pois este não poderá mais exprimir sua vontade, aplicando-se a regra geral do Código Civil. Note: é falacioso dizer que o planejamento sucessório é deplorável do ponto de vista moral, quando, na verdade, silenciar sobre o assunto pode ser muito mais reprovável. A experiência na advocacia mostra que aquela aparente harmonia familiar mantida pelo respeito mútuo se encerra no exato momento da abertura da sucessão. Aqueles entes que até então guardavam respeito, assumem posição de rivalidade sem qualquer constrangimento e, por vezes, eternizam o conflito sem qualquer pejo de ordem moral. Em suma, o planejamento sucessório é a forma mais lúcida e madura de evitar conflitos e lidar com as contingências da existência humana. Todos podem expor suas posições, discutir de forma franca e aberta os pontos de vista e conceder a oportunidade de todos em vida expressarem com clareza seus desejos. Não vejo maior virtude moral que a transparência. Se você se comporta de forma transparente em relação ao alter, jamais poderá ser acusado de desleal. Vale dizer, se os membros da família expressam em vida seus desejos e intenções (ainda que algumas posições possam causar desconforto), pode-se discordar da pretensão, mas jamais poder-se-á imputar desvio ético. Vencido o primeiro dilema moral, ainda é preciso enfrentar a moralidade da conduta de quem antecipa a transmissão do patrimônio para recolher menos tributos. De um lado, há quem sustente que a autonomia privada e o direito de propriedade asseguram o direito de preservar o patrimônio e eleger formas jurídicas que sejam menos agressivas do ponto de vista tributário. De outro lado, há quem sustente que o patrimônio construído por uma geração não deveria necessariamente ser garantido para a próxima geração e que haveria um senso de fraternidade a tributação pesada da herança, redistribuindo a riqueza e diminuindo a desigualdade. São pontos de vista realmente relevantes e cada posição apresenta argumentos sensíveis. É inegável que o economista francês, Thomas Piketty, produziu importante estudo sobre o crescimento da desigualdade no mundo, alertando a todos sobre o risco de colapso do sistema capitalista para uma economia cada vez mais desigual com o passar dos anos. O receituário do economista francês envolve a tributação da herança e principalmente a criação de um imposto sobre grande fortuna. Pretendo num outro artigo comentar estas posições e demonstrar porque discordo de algumas assunções extraídas do estudo do professor Piketty. Naquilo que interessa o dilema moral aqui polemizado, esclareço inicialmente minha posição sobre a tributação. Não concordo com algumas posições libertárias que consideram toda tributação imoral porque originada num ato de coerção (violência, dizem alguns) do Estado. Na visão destes, o Estado deveria ser financiado por contribuição voluntária dos contribuintes. Esta posição além de utópica, geraria um risco moral enorme. É muito provável que a voluntariedade no pagamento dos tributos resultasse no recolhimento de tributos por alguns poucos, mas a fruição dos serviços públicos (uti universi) seja explorada por muitos, o que sem dúvida não se afigura justo. Em poucas palavras, a tributação é um preço que se paga para vivermos e usufruirmos do modo de vida que conhecemos. Assumidas estas premissas, a tributação deveria pairar sobre a maior parcela possível da população, de forma o mais equânime possível, em patamares bastante reduzidos para servir à prestação dos serviços públicos básicos e essenciais. Aumentar a tributação gerou mais recursos para o Estado que foi paulatinamente assumindo mais compromissos e elegendo cada vez mais atribuições. Logo, cortar o círculo vicioso é um bem público a ser defendido ou, nas palavras de Milton Friedman “controlar o governo – fazer com que faça as coisas certas – é um bem público (1987). Como o nível de tributação é uma decisão política e a classe política não tem nenhum interesse em reduzir a sua importância, parece óbvio que não veremos no curto prazo decisões políticas que promovam a redução da tributação (salvo evidentemente decisões populistas e irresponsáveis de reduzir setorialmente tributos e conceder incentivos). Em resumo, o contribuinte individualmente não consegue trazer a carga tributária para um patamar mais saudável e racional, logo só lhe resta exercer o direito de promover a racionalidade tributária. Estas breves considerações servem para justificar do ponto de vista
NÃO INCIDE ITCD NO USUFRUTO?
O imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCD ou ITCMD) é um tributo de competência dos Estados e DF, o que significa dizer que cada ente federado pode legislar sobre ele, definindo regramento próprio. Ocorre que o sistema tributário brasileiro parte da Constituição que dispõe sobre o que pode ser tributado e quem pode tributar. Entre os tributaristas, chamamos isso de Competência Tributária. O artigo 155, inciso I da Constituição estabelece os limites para o exercício da tributação pelos Estados, autorizando exigir o ITCD sobre alguns fenômenos e interditando a tributação sobre outros. Em suma, o ITCD incide em duas situações: (a) quando há transmissão da propriedade em razão do falecimento (causa mortis) ou (b) quando há transmissão da propriedade fruto da doação, contrato típico previsto no Código Civil. Alguns contribuintes vem buscando estratégias de planejamento sucessório e dentre as possibilidades está a doação de bens aos herdeiros com reserva de usufruto. Por ocasião da doação, há o recolhimento do respectivo ITCD (normalmente alíquota mais baixa), o que não envolve qualquer controvérsia. No entanto, a instituição do usufruto para que o doador possa extrair os benefícios da propriedade enquanto estiver vivo, tem ensejado o interesse do fisco em exigir o recolhimento do ITCD numa segunda oportunidade, quando o falecimento do nu-proprietário, segundo a visão do fisco, autorizaria a incidência do imposto em razão da morte (causa mortis). Felizmente alguns tribunais tem rejeitado esta tese, reconhecendo a inconstitucionalidade da cobrança do ITCD quando extinto o usufruto. Dentre os precedentes, pode-se citar incidente de arguição de inconstitucionalidade nº 10024130325160004 do TJMG que declarou inconstitucional a Lei mineira. No Estado de São Paulo, a jurisprudência da Corte Paulista tem rechaçado a cobrança ainda que por motivos diversos. Vale citar os precedentes da 13ª Câmara (processo nº 1046966-50.2019.8.26.0224), assim como na 1ª e na 3ª Câmaras de Direito Público do TJ-SP (processos nº 1039002-68.2018.8.26.0053 e nº 1019676-59.2017.8.26.0053, respectivamente). Este caso é emblemático para demonstrar como o Fisco não se satisfaz com a competência tributária conferida pela Constituição e como é importante que o planejamento sucessório seja acompanhado por um profissional experiente.