É MORALMENTE CORRETO PLANEJAR A SUCESSÃO?

É moralmente correto realizar planejamento sucessório? Haveria alguma reprovação moral na conduta de quem decide antecipar o futuro do patrimônio? Em outro artigo aqui, comentei a discussão em torno do planejamento tributário. O Supremo Tribunal Federal está em vias de reconhecer o direito fundamental ao planejamento tributário, encerrando o debate em torno da constitucionalidade, já que a licitude não se controverte. Havendo norma jurídica vigente que ampara a decisão do contribuinte, parece inequívoco afirmar que a decisão em torno do planejamento é juridicamente válida. No entanto, foi inaugurado um novo debate em matéria de tributação, chamada de “Tax morality”. Não obstante a licitude da conduta, seria moralmente correto planejar para recolher menos tributos? O caso Apple vs União Europeia é emblemático sobre o debate. Em julgamento perante a Corte Europeia, a Apple defendeu a licitude da sua estrutura tributária, enquanto que os julgadores redarguiram que seria moralmente incorreto. Refazendo a pergunta: pode-se considerar moralmente correto executar um planejamento sucessório? Vou responder a pergunta, mas antes quero enfrentar os dilemas morais. O primeiro dilema moral coloca em xeque o desejo da família em debater e discutir o futuro do patrimônio de pessoas ainda vivas. Num primeiro momento, o senso comum reprovaria esse comportamento, pois soa extremamente desrespeitoso. Porém, cabe perguntar: é moralmente reprovável essa conduta? A família que decide estipular as condições da sucessão antecipadamente é menos correta do ponto de vista moral que aquela que não trata do assunto? Respeitando quem pensa diferente, acredito que aqui reside uma grande hipocrisia. Deliberar sobre a sucessão com os membros da família vivos é moralmente correto porque oportuniza a igualdade de condições entre os familiares de exporem suas posições e acordarem sobre o melhor destino dos bens. A pretexto de “respeitar os membros da família”, posterga-se a decisão para após a morte de um dos familiares, o que já configura deslealdade, pois este não poderá mais exprimir sua vontade, aplicando-se a regra geral do Código Civil. Note: é falacioso dizer que o planejamento sucessório é deplorável do ponto de vista moral, quando, na verdade, silenciar sobre o assunto pode ser muito mais reprovável. A experiência na advocacia mostra que aquela aparente harmonia familiar mantida pelo respeito mútuo se encerra no exato momento da abertura da sucessão. Aqueles entes que até então guardavam respeito, assumem posição de rivalidade sem qualquer constrangimento e, por vezes, eternizam o conflito sem qualquer pejo de ordem moral. Em suma, o planejamento sucessório é a forma mais lúcida e madura de evitar conflitos e lidar com as contingências da existência humana. Todos podem expor suas posições, discutir de forma franca e aberta os pontos de vista e conceder a oportunidade de todos em vida expressarem com clareza seus desejos. Não vejo maior virtude moral que a transparência. Se você se comporta de forma transparente em relação ao alter, jamais poderá ser acusado de desleal. Vale dizer, se os membros da família expressam em vida seus desejos e intenções (ainda que algumas posições possam causar desconforto), pode-se discordar da pretensão, mas jamais poder-se-á imputar desvio ético. Vencido o primeiro dilema moral, ainda é preciso enfrentar a moralidade da conduta de quem antecipa a transmissão do patrimônio para recolher menos tributos. De um lado, há quem sustente que a autonomia privada e o direito de propriedade asseguram o direito de preservar o patrimônio e eleger formas jurídicas que sejam menos agressivas do ponto de vista tributário. De outro lado, há quem sustente que o patrimônio construído por uma geração não deveria necessariamente ser garantido para a próxima geração e que haveria um senso de fraternidade a tributação pesada da herança, redistribuindo a riqueza e diminuindo a desigualdade. São pontos de vista realmente relevantes e cada posição apresenta argumentos sensíveis. É inegável que o economista francês, Thomas Piketty, produziu importante estudo sobre o crescimento da desigualdade no mundo, alertando a todos sobre o risco de colapso do sistema capitalista para uma economia cada vez mais desigual com o passar dos anos. O receituário do economista francês envolve a tributação da herança e principalmente a criação de um imposto sobre grande fortuna. Pretendo num outro artigo comentar estas posições e demonstrar porque discordo de algumas assunções extraídas do estudo do professor Piketty. Naquilo que interessa o dilema moral aqui polemizado, esclareço inicialmente minha posição sobre a tributação. Não concordo com algumas posições libertárias que consideram toda tributação imoral porque originada num ato de coerção (violência, dizem alguns) do Estado. Na visão destes, o Estado deveria ser financiado por contribuição voluntária dos contribuintes. Esta posição além de utópica, geraria um risco moral enorme. É muito provável que a voluntariedade no pagamento dos tributos resultasse no recolhimento de tributos por alguns poucos, mas a fruição dos serviços públicos (uti universi) seja explorada por muitos, o que sem dúvida não se afigura justo. Em poucas palavras, a tributação é um preço que se paga para vivermos e usufruirmos do modo de vida que conhecemos. Assumidas estas premissas, a tributação deveria pairar sobre a maior parcela possível da população, de forma o mais equânime possível, em patamares bastante reduzidos para servir à prestação dos serviços públicos básicos e essenciais. Aumentar a tributação gerou mais recursos para o Estado que foi paulatinamente assumindo mais compromissos e elegendo cada vez mais atribuições. Logo, cortar o círculo vicioso é um bem público a ser defendido ou, nas palavras de Milton Friedman “controlar o governo – fazer com que faça as coisas certas – é um bem público (1987). Como o nível de tributação é uma decisão política e a classe política não tem nenhum interesse em reduzir a sua importância, parece óbvio que não veremos no curto prazo decisões políticas que promovam a redução da tributação (salvo evidentemente decisões populistas e irresponsáveis de reduzir setorialmente tributos e conceder incentivos). Em resumo, o contribuinte individualmente não consegue trazer a carga tributária para um patamar mais saudável e racional, logo só lhe resta exercer o direito de promover a racionalidade tributária. Estas breves considerações servem para justificar do ponto de vista