Da inconstitucionalidade da incidência do ITCD sobre planos de previdência privada

O imposto que incide sobre a transmissão em razão da morte (ITCD) gera discussão nos Estados. As Administrações Tributárias estaduais defendem a incidência do ITCD sobre os planos de previdência privada, notadamente Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) e Programa Gerador de Benefício Livre (PGBL). Os planos de previdência privada foram criados para, como expressamente considera a Superintendência dos Seguros Privados (SUSEP), servir como “plano de seguro de pessoas com cobertura de sobrevivência”. Dada a natureza securitária, sempre se considerou que os planos de previdência, tanto PGBL quanto VGBL, não integrariam o acervo hereditário e, por decorrência, não deveria ser tributado pelo ITCD. No entanto, os Estados, de forma equivocada, editaram normas para tributar os planos de previdência forçando o enquadramento de tais contratos como suscetíveis de tributação. O Rio de Janeiro previa a tributação por força do artigo 23 da Lei Estadual n° 7.174/75. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro pronunciou a inconstitucionalidade da norma por entender que norma estaria em confronto como artigo 199 da Constituição Estadual que reproduz o artigo 155, I da Constituição da República. Em Minas Gerais, a problemática foi idêntica. O Estado editou a Lei n° 14.941/03 que previa no seu artigo 35-A a incidência do ITCD sobre os referidos planos. O Estado de Sergipe enfrentou a mesma discussão tendo pronunciamento favorável aos contribuintes. No caso do Rio Grande do Sul, a Governo do Estado exige a incidência do ITCD sobre os planos de previdência privada sem previsão legal. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é pacífica em afastar a incidência: APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INVENTÁRIO. VGBL (VIDA GERADOR DE BENEFÍCIOS LIVRE) E PGBL (PLANO GERADOR DE BENEFÍCIO LIVRE). NÃO INCIDÊNCIA DE ITCD. ISENÇÃO DE CUSTAS. PREQUESTIONAMENTO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça considera que, diante dos termos do artigo 794 do Código Civil, no seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, sequer se considera herança para todos os efeitos de direito. Nesse caso, o beneficiário, titular da indenização securitária, é o terceiro designado pelo falecido, sendo descabido que tal direito componha o acervo hereditário composto pelos bens da pessoa segurada. Destarte, tratando-se o VGBL de um “plano de seguro de pessoas com cobertura por sobrevivência”, não integra o acervo hereditário da pessoa falecida e não responde por suas eventuais dívidas, assim como o PGBL, em razão do que não há fato gerador de ITCD. 2. Sob outra perspectiva, é preciso ter em mente que ao lado dos planos PGBL e VGBL, em que pese de menor adesão, existe o FAPI (Fundo de Aposentadoria Programada Individual), que funciona como um fundo de investimento tradicional. As três espécies de previdência privada têm semelhanças e diferenças, mas para o deslinde da controvérsia importa dizer que: (a) o PGBL e o VGBL têm características de seguro e os recursos são transmitidos sem passar por inventário, e (b) o FAPI não possui benefício sucessório, ou seja, os recursos aplicados devem integrar o inventário, estando sujeitos à tributação. 3. Ademais, merece ser confirmada, em parte, a sentença, pois o ente público restou condenado ao pagamento das custas em desatendimento ao artigo 5° da Lei n. 14.634/14. O Estado responde apenas pelo reembolso das despesas judiciais adiantadas pela parte impetrante. Por fim, no que se refere ao prequestionamento, é prescindível a referência aos dispositivos constitucionais e legais invocados pela parte. Precedentes deste órgão fracionário. Introdução da tese do prequestionamento ficto no Código de Processo Civil, artigo 1.025. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO E CONFIRMARAM, EM PARTE, A SENTENÇA EM REMESSA NECESSÁRIA. UNÂNIME.(Apelação / Remessa Necessária, Nº 50907778320208210001, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em: 26-05-2021) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO MORTIS CAUSA E DOAÇÃO – ITCD. PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. SEGURO DE PESSOAS. EXCLUSÃO DO INVENTÁRIO. 1. Tanto o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), quanto o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre), são considerados modalidades de Plano de Previdência Privada. Noutras palavras: são seguros de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência. Na realidade, Plano de Previdência Complementar, classificados pela SUSEP (Superintendência dos Seguros privados) no ramo do seguro de pessoas. Portanto, conforme o art. 794 do CC, não integram a partilha, e por decorrência não há falar em imposto mortis causa. 2. Apelação desprovida.(Apelação Cível, Nº 70084267798, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em: 31-08-2020) REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INVENTÁRIO. PLANO DE SEGURO DE PESSOAS. VGBL (VIDA GERADOR DE BENEFÍCIOS LIVRE). PREQUESTIONAMENTO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça considera que, diante dos termos do art. 794 do Código Civil, no seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, sequer se considerando herança para todos os efeitos de direito. Nesse caso, o beneficiário, titular da indenização securitária, é o terceiro designado pelo falecido, sendo descabido que tal direito componha o acervo hereditário que contém os bens da pessoa segurada. Dessa forma, tratando-se o VGBLde um plano de seguro de pessoas com cobertura por sobrevivência, não integra o acervo hereditário da pessoa falecida e não responde por suas eventuais dívidas, em razão do que não há fato gerador de ITCD. Julgados do Tribunal da Cidadania e desta Corte Gaúcha. Sentença confirmada em remessa necessária, consignando que houve tão somente condenação quanto ao reembolso de despesas judiciais eventualmente feitas pela parte vencedora, nos termos do art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 14.634/2014. 2. No que se refere ao prequestionamento, prescindível a referência a todos dispositivos constitucionais e legais invocados pela parte. Precedentes deste órgão fracionário. Introdução da tese do prequestionamento ficto no Código de Processo Civil, art. 1.025. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO E CONFIRMARAM A SENTENÇA EM REMESSA NECESSÁRIA. UNÂNIME.(Apelação / Remessa Necessária, Nº 50139145220218210001, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,

AVALIAÇÃO DE HOLDING PARA APURAÇÃO DE ITCD

O planejamento sucessório envolve, em muitos casos, a utilização de uma pessoa jurídica para otimizar a gestão patrimonial e simplificar a transmissão dos bens quando aberta a sucessão. Ocorre que a determinação da base de cálculo do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD) é frequentemente realizada de forma equivocada pelos Estados. Para começar a conversa, é preciso estabelecer uma premissa: a tributação deve sempre pairar sobre bases reais. Em outras palavras, o Fisco pode tributar apenas a riqueza verdadeira, titulada pelo contribuinte e não uma riqueza fictícia. Essa premissa decorre da Constituição que estabelece o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1° da CRFB). Durante alguns anos o Supremo Tribunal Federal defendeu a inaplicabilidade da norma aos tributos reais, por entender que não seria possível aferir a capacidade contributiva dos herdeiros. A orientação da Suprema Corte foi alterada para passar a permitir a graduação do ITCD de acordo com a variação do patrimônio transmitido. Em que pese a modificação tenha servido para justificar a utilização de alíquotas progressivas, isto é, favorecer os Estados, não se pode interpretar a Constituição em tiras (como diria o Min. Eros Grau), nem mesmo interpretá-la de forma unilateral a favorecer apenas um dos lados da relação jurídico tributária. Portanto, é preciso assentar a premissa: a incidência do ITCD deve pairar sobre bases reais, verdadeiras, ou seja, sobre a riqueza efetivamente ostentada pelo espólio. Esta premissa coloca em xeque todas as técnicas de apuração da base de cálculo de participações societárias que não levem em consideração as melhores práticas contábeis. Isso porque algumas Administrações Tributárias desconsideram os métodos tradicionais de avaliação de empresas e passam a criar, por meio de instrução normativa, suas próprias técnicas, como é o caso do Rio Grande do Sul. Tanto a Lei Estadual n° 8.821/89, quanto o Decreto n° 33.156/89, não definem o critério de avaliação de sociedades. O artigo 14, § 13 do Decreto n° 33.156/89 remete à regulamentação por parte do fisco estadual. A Receita Estadual, por sua vez, editou a Instrução Normativa DRP 45/1998. Na redação original, o item 6.4, Capítulo II, Título II da IN determinava a utilização do: “o Patrimônio Líquido atualizado acrescido de 50% da Receita Líquida média, anual e atualizada” para determinação da base de cálculo de empresas de capital fechado. Este critério era absurdo e não encontrava amparo em nenhum norma técnica contábil. O Tribunal de Justiça do RS afastou a aplicação do critério previsto na IN 45: APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ITCD. BASE DE CÁLCULO. TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS E AÇÕES DE PESSOA JURÍDICA. ACRÉSCIMO AUTOMÁTICO SOBRE PATRIMÔNIO LÍQUIDO. ILEGALIDADE. CONCESSÃO DA ORDEM. MANUTENÇÃO. O mandado de segurança é o remédio constitucional apto a proteger direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, consoante dispõem os artigos 5º, inciso LXIX da Constituição Federal, e 1º, da Lei nº 12.016/2009. No Mandado de Segurança não é admitida dilação probatória, sendo necessária a juntada de prova pré-constituída a demonstrar, de plano, o direito alegado. A expressão direito líquido e certo constante no art. 1º da Lei 12.016/2009, tem caráter nitidamente processual, visando garantir a sumariedade que é própria da ação constitucional. Em outras palavras, a questão duvidosa, que depender de dilação probatória, está excluída do âmbito do “writ”. Assim, o direito amparado pela ação de mandado de segurança é aquele que resulta de fato certo, que não desperte dúvidas e que não reclame produção ou cotejo de provas. In casu, mostra-se plenamente cabível a utilização deste instrumento para viabilizar a pretensão deduzida pela parte impetrante, uma vez que apenas busca discutir a legalidade do acréscimo de 50% sobre a receita líquida anual, média e atualizada da empresa, prevista na InstruçãoNormativaDRP 45/98, Título II, Capítulo II, Seção 6.0, item 6.4, para fins de apuração da base de cálculo do ITCD. A base de cálculo do ITCD é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, conforme preconiza o art. 38 do CTN e o art. 12 da Lei Estadual nº 8.812/89. Em se tratando de transmissão de direitos e ações de pessoa jurídica, deve ser considerado para a fixação da base de cálculo apenas a Receita Líquida média, anual e atualizada, sem o acréscimo de 50% (cinquenta por cento) previsto na IN DRP 45/98, Título II, Capítulo II, Seção, 6.0, item 6.4. Hipótese em que a instruçãonormativa extrapola o poder regulamentar, ao definir como critério de apuração da base de cálculo do ITCD a projeção de lucros futuros e não no valor venal do bem a ser transmitido na data da apuração. Além disso, trata-se de forma de majoração tributária, com a alteração da base de cálculo de imposto, promovida por instrumento normativo impróprio, em flagrante violação ao princípio da legalidade tributária, insculpida no art. 146, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição Federal. Precedentes desta Corte. Manutenção da sentença que concedeu a ordem pleiteada. APELO DESPROVIDO. REMESSA NECESSÁRIA PREJUDICADA.(Apelação Cível, Nº 70084182112, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em: 03-06-2020) PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. ATENDIMENTO. ARTIGO 1.010, II E III, CPC/15. É de ser conhecida a apelação do Estado do Rio Grande do Sul, uma vez atendido ao princípio da dialeticidade, por impugnar, de forma específica, a motivação apresentada pela sentença, tal qual reclama o artigo 1.010, II e III, CPC/15. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. ARTIGO 1º, CAPUT, LEI Nº 12.016/09. Visando o mandado de segurança à proteção de direito líquido e certo da impetrante, consistente no estabelecimento de critérios de tributação em violação a ditames constitucionais e infraconstitucionais, especificamente quanto à base de cálculo do ITCMD, quanto ao que há prova pré-constituída, cabível o manejo do writ, nos exatos termos do artigo 1º, caput, Lei nº 12.019/09, não havendo cogitar de carência de ação. TRIBUTÁRIO. ITCMD. BASE DE CÁLCULO. ARTIGO 12, CAPUT E § 1.º, LEI ESTADUAL N.º 8.821/89. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E DA TIPICIDADE CERRADA. A base de cálculo do ITCMD está devidamente definida na Lei Estadual n.º 8.821/89, assim

NÃO INCIDE ITCD NO USUFRUTO?

O imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCD ou ITCMD) é um tributo de competência dos Estados e DF, o que significa dizer que cada ente federado pode legislar sobre ele, definindo regramento próprio. Ocorre que o sistema tributário brasileiro parte da Constituição que dispõe sobre o que pode ser tributado e quem pode tributar. Entre os tributaristas, chamamos isso de Competência Tributária. O artigo 155, inciso I da Constituição estabelece os limites para o exercício da tributação pelos Estados, autorizando exigir o ITCD sobre alguns fenômenos e interditando a tributação sobre outros. Em suma, o ITCD incide em duas situações: (a) quando há transmissão da propriedade em razão do falecimento (causa mortis) ou (b) quando há transmissão da propriedade fruto da doação, contrato típico previsto no Código Civil. Alguns contribuintes vem buscando estratégias de planejamento sucessório e dentre as possibilidades está a doação de bens aos herdeiros com reserva de usufruto. Por ocasião da doação, há o recolhimento do respectivo ITCD (normalmente alíquota mais baixa), o que não envolve qualquer controvérsia. No entanto, a instituição do usufruto para que o doador possa extrair os benefícios da propriedade enquanto estiver vivo, tem ensejado o interesse do fisco em exigir o recolhimento do ITCD numa segunda oportunidade, quando o falecimento do nu-proprietário, segundo a visão do fisco, autorizaria a incidência do imposto em razão da morte (causa mortis). Felizmente alguns tribunais tem rejeitado esta tese, reconhecendo a inconstitucionalidade da cobrança do ITCD quando extinto o usufruto. Dentre os precedentes, pode-se citar incidente de arguição de inconstitucionalidade nº 10024130325160004 do TJMG que declarou inconstitucional a Lei mineira. No Estado de São Paulo, a jurisprudência da Corte Paulista tem rechaçado a cobrança ainda que por motivos diversos. Vale citar os precedentes da 13ª Câmara (processo nº 1046966-50.2019.8.26.0224), assim como na 1ª e na 3ª Câmaras de Direito Público do TJ-SP (processos nº 1039002-68.2018.8.26.0053 e nº 1019676-59.2017.8.26.0053, respectivamente). Este caso é emblemático para demonstrar como o Fisco não se satisfaz com a competência tributária conferida pela Constituição e como é importante que o planejamento sucessório seja acompanhado por um profissional experiente.