TRIBUTAÇÃO NA EXTINCÃO DE OFF SHORE
Quando se fala em off shore, provavelmente vem a mente o caso “panama papers” ou o filme que se inspirou no escândalo “a lavanderia”. Em qualquer caso, a imagem não é nada boa. Mas queria esclarecer que sociedade off shore não é necessariamente veículo de ilícito. Pelo contrário, uma sociedade off shore nada mais é que uma entidade constituída (fora do território, daí o nome em inglês) e que portanto pode oferecer algumas vantagens para seus sócios/acionistas, dentre elas tributárias. Em suma, se a origem dos recursos e a atividade hospedada na off shore são lícitos e se tudo está devidamente declarado perante as autoridades locais, não há razão para a proscrição do instituto. Como tudo em matéria de tributação envolve pré-conceitos, pré-juízos, este tema não é diferente. Veja por exemplo o caso da tributação em caso de extinção da off shore. Para entender o problema, é preciso retroagir ao ano de 2016, quando as autoridades do mundo estavam num movimento consistente de transparência e o Brasil aderiu à tendência global. No entanto, muito brasileiros mantinham recursos no exterior e não haviam observados as normas vigente à época da remessa dos valores para o exterior de modo que a transparência colocaria um grande número de contribuintes na mira das autoridades. Naquele momento, o país propôs um pacto de regularização consagrado na Lei n° 13.254/2016. Muitos brasileiros aderiram e aqui voltamos ao tema off shore. Imagine que um brasileiro enviou dinheiro lícito para o exterior e para obter vantagem tributária tenha constituído uma sociedade off shore. Se os valores jamais foram declarados, como deveria ter agido o nosso contribuinte hipotético por ocasião da adesão ao “Regime de Regularização Cambial e Tributária (RERCT)”? Segundo dispôs a Lei n° 13.254/2016, a orientação seria realizar a avaliação da sociedade pelo patrimônio líquido segundo balanço patrimonial levantado em 31 de dezembro de 2014: Art. 4°. (…) § 8º Para fins da declaração prevista no caput , o valor dos ativos a serem declarados deve corresponder aos valores de mercado, presumindo-se como tal:(…) III – para os ativos referidos no inciso IV do art. 3º, o valor de patrimônio líquido apurado em 31 de dezembro de 2014, conforme balanço patrimonial levantado nessa data; Portanto, o contribuinte tributaria esta participação societária em 15%, acrescido de 15% de multa (total 30%). Assim, muitos contribuintes o fizeram. Ocorre que a Receita Federal, de forma inesperada e retroativamente, exarou entendimento de que na hipótese de extinção da referida sociedade, dever-se-ia adotar um regime híbrido de tributação. Esta orientação foi veiculada na Solução de Consulta n° 678 – COSIT de 28 de dezembro de 2017. Na visão do fisco, o valor que retorna ao sócio por ocasião da extinção da sociedade estrangeira, deve ser submetida a tributação da renda da pessoa física, segundo tabela progressiva do carnê-leão no mês do recebimento do valor. Entendo que a solução apresentada pela Cordenação-Geral de Tributação da Receita Federal se equivocou e explico o porquê. O raciocínio deve partir de qual seria o tratamento para a hipótese de extinção de uma sociedade regularmente constituída no Brasil. A Receita Federal possui orientação clara estampada na Instrução Normativa n° 1.700/2017 que transcrevo: CAPÍTULO VI DA DEVOLUÇÃO DE CAPITAL EM BENS E DIREITOS Art. 244. Os bens e direitos do ativo da pessoa jurídica que forem entregues ao titular ou a sócio ou acionista a título de devolução de sua participação no capital social poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado. § 1º No caso de a devolução realizar-se pelo valor de mercado, a diferença entre este e o valor contábil dos bens ou direitos entregues será considerada ganho de capital, que será computado nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. § 2º Para o titular, sócio ou acionista pessoa jurídica, os bens ou direitos recebidos em devolução de sua participação no capital serão registrados pelo valor contábil da participação ou pelo valor de mercado, conforme avaliado pela pessoa jurídica que esteja devolvendo capital. § 3º Na investidora, a diferença entre o valor de mercado dos bens ou direitos e o valor contábil da participação extinta não será computada nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. § 4º No caso de participação societária adquirida por valor inferior ao patrimonial, em que a pessoa jurídica que estiver devolvendo capital tenha optado pela avaliação a valor contábil, a pessoa jurídica que estiver recebendo os bens ou direitos deverá registrá-los pelo valor pelo qual tiverem sido recebidos, reconhecendo, como ganho de capital, sujeito à incidência do IRPJ e da CSLL, a diferença entre este e o valor contábil da participação extinta. A solução é simples e coerente. A tributação sempre será apurada na investida (art. 244, § 1° da IN RFB n° 1700/2017). Se a devolução se der pelo valor registrado na contabilidade não há variação positiva a ser apurada. Por outro lado, se entre o valor contábil e o valor de mercado houver variação positiva, o resultado deverá ser computado na base de cálculo do IRPJ e CSLL. Esta é a previsão contida no artigo 22 da Lei n° 9.249/95: Art. 22. Os bens e direitos do ativo da pessoa jurídica, que forem entregues ao titular ou a sócio ou acionista, a título de devolução de sua participação no capital social, poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado. § 1º No caso de a devolução realizar-se pelo valor de mercado, a diferença entre este e o valor contábil dos bens ou direitos entregues será considerada ganho de capital, que será computado nos resultados da pessoa jurídica tributada com base no lucro real ou na base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido devidos pela pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou arbitrado. § 2º Para o titular, sócio ou acionista, pessoa jurídica, os bens ou direitos recebidos em devolução de sua participação no capital serão registrados pelo valor contábil da participação ou pelo valor de mercado, conforme avaliado pela pessoa jurídica que
NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL NO DIREITO TRIBUTÁRIO
SOLUÇÃO PARA A INADIMPLÊNCIA RECÍPROCA DO ESTADO E DO CONTRIBUINTE: A CELEBRAÇÃO DE NEGÓCIO PROCESSUAL Éderson Garin Porto Visiting Scholar UC Berkeley School of Law. Doutor e Mestre pela UFRGS. Professor do Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios da UNISINOS. Membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/RS. Professor colaborador da ESA (OAB/RS). Advogado. Reza a Constituição que todos são iguais perante a lei (art. 5°, caput), sendo vedado tratamento discriminatório entre os contribuintes (art. 150, inciso II). A prescrição normativa do texto constitucional distancia-se da prática quando os operadores defrontam-se com a cobrança de créditos titulados pelo fisco e pelo contribuinte. Quando o fisco é credor, aplica-se o rito privilegiado previsto na Lei n° 6.830/80 e normas esparsas que concedem inúmeras vantagens à Fazenda Pública. Quando o cidadão figura na condição de credor deve se sujeitar ao rito desfavorecido previsto no Código de Processo Civil que submete seu crédito ao regime de precatórios (art. 100 da Constituição). É evidente que o instituto do precatório não foi criado para prejudicar o cidadão, senão para compatibilizar os preceitos de impenhorabilidade e inalienabilidade aplicáveis aos bens públicos. Assim, a Constituição estabeleceu um regime de controle para a satisfação dos créditos constituídos contra o Erário que visam única e exclusivamente permitir a gestão da liquidação das obrigações. Não se pode admitir que o regime de precatório crie situações discriminatórias, nem mesmo se institucionalize o “calote” por parte dos entes públicos. Sabendo que a Administração Pública deve observar o preceito da moralidade (art. 37 da Constituição) não se pode admitir que as dívidas assumidas pelo Estado não sejam quitadas com o “amparo” do regime de precatórios. Avolumam-se nos foros execuções contra a fazenda pública que aguardam em compasso de espera. A título de exemplo, segundo dados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o estoque de precatórios gaúcho corresponde a R$ 14,68 bilhões, considerando Administração Direta e Indireta. Atualmente, o Estado deposita mensalmente, em contas específicas do Tribunal, o equivalente a 1,5% da Receita Corrente Líquida, o que resulta em parcelas entre R$ 46 e 50 milhões. O percentual é ínfimo e não permite reduzir o passivo que cresce anualmente. Uma alternativa viável e, ao mesmo tempo, polêmica seria a utilização do instituto da compensação que no âmbito do Rio Grande do Sul veio a ser regulamentado pela Lei n° 15.038/2017. A controvérsia é conhecida e não se pretende incursionar neste antigo debate. Dentro do cenário caótico das finanças públicas no qual estão inseridos praticamente todos os entes da federação, não se vislumbra uma alternativa viável no curto prazo para resolver a odiosa discriminação na satisfação dos créditos. De um lado, o crédito tributário goza de rito especial, possibilidade de protesto de CDA, penhora on-line e mais recentemente averbação pré-executória (art. 22-B, § 3°, inciso II da Lei n° 10.522/02 com redação dada pela Lei n° 13.606/2018). De outro lado, o crédito do particular contra a Fazenda Pública deve se conformar com a espera imposta pelo regime previsto no artigo 100 da Constituição. Na tentativa de amenizar a dramática situação, propõe-se uma alternativa que parece plenamente viável a partir do novo Código de Processo Civil. Defendemos na terceira edição do Manual da Execução Fiscal (PORTO, Éderson Garin. Manual da Execução fiscal. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2019) que o Código de Processo Civil vigente exalta a autonomia da vontade e presta homenagem aos meios adequados de resolução do litígio (art. 1°, §§ 2° e 3°). Conferiu-se importantes espaços de disposição às partes, assegurando-lhes a possibilidade de delimitar a controvérsia (arts. 141, 490 e 492, CPC), a possibilidade de renunciar (art. 487, III, c), desistir (art. 485, VIII, CPC) e abdicar de um modo, inclusive em fase recursal (art. 998, parágrafo único), sem esquecer da importância de certos atos omissivos (art. 65, art. 337, § 6.º, e art. 1.000, CPC). Naquilo que interessa ao problema em questão, merece destaque o artigo 190 do Código de Processo Civil que prescreve, in verbis: Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. É o que a doutrina chama de “Negócios Processuais”[1] ou também “customização compartilhada”[2]. O Código admite inclusive que as partes e o magistrado, de comum acordo, estabeleçam um calendário para a prática dos atos processuais (art. 191, CPC). Se a legislação processual autoriza expressamente que as partes celebrem “negócios processuais”, visando reduzir ou extinguir litígios, a pergunta que se coloca é se poderia aplicar às execuções movidas contra a Fazenda Pública ou às execuções fiscais. Não obstante, o artigo 174 do Código de Processo Civil exorte os entes da federação a criar câmaras de mediação e conciliação para tratar de temas de direito público, a consensualidade em matéria tributária é tida no Brasil como verdadeiro “tabu”. Sobre a possibilidade de celebração de negócios, pode-se referir o Enunciado n° 256 do Fórum Permanente de Processualistas que preconiza que “A Fazenda Pública pode celebrar negócio jurídico processual”. Como refere Leonardo Carneiro da Cunha, “se o advogado público pode convencionar a suspensão do processo, escolher o procedimento a ser adotado, o meio de impugnação a ser utilizado, é porque pode celebrar negócio processual”[3]. A controvérsia parece ter sido definitivamente dirimida no âmbito da execução fiscal a partir da edição da Portaria PGFN n° 360 de 2018 que passou a autorizar as Procuradorias a realizarem negócios processuais. Segundo dispõe o artigo 2° da Portaria n° 360, ficou autorizado a celebração de negócio jurídico processual (NJP) e fixação de calendário processual sobre os seguintes temas: I – cumprimento de decisões judiciais; II – confecção ou conferência