TRIBUTAÇÃO E ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA: Há o que comemorar?

No Brasil, o dia 13 de maio é data comemorativa à publicação da Lei Áurea (Lei n° 3.353 sancionada pela Princesa Isabel de Bragança) que decretou o fim da escravatura em 1808. Duzentos e treze anos depois, temos o que comemorar? Tenho profundo respeito pela luta das populações que foram vítimas de opressão em toda a história da humanidade, mas como sabem, minha abordagem é voltada para a tributação. Ai fica a questão: o que a tributação tem a ver com a data? Já chego lá! A exploração do trabalho escravo vigorou no Brasil do descobrimento até a edição da Lei Áurea, porém a abolição da escravatura não representou o fim da trabalho escravo e por incrível que pareça ainda é possível localizar seres humanos sendo explorados em regime análogo à escravidão em pleno século XXI. Podemos partir da máxima kantiana na qual o ser humano é concebido como um fim em si mesmo e não pode ser meio para coisificação ou instrumentalização de outrem. Este primado filosófico foi incorporado ao texto da nossa Constituição no artigo 1°, inciso III que reconhece a “dignidade da pessoa humana” como fundamento da República Federativa do Brasil. O respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana jamais conviveria com a exploração da escravidão. Em outras palavras, a exploração do trabalho escravo significava o menoscabo à dignidade do ser humano. Nada mais ignóbil que um ser humano ou um grupo de seres humanos a explorar outros irmãos dotados de igual dignidade, daí a repulsa a toda e qualquer forma de dominação. Ocorre que o fenômeno da escravidão conviveu, durante os primeiros anos do novo mundo, com o privilégio da ausência da tributação sobre os senhores de escravos. Em outras palavras, o direito de propriedade sobre escravos era aceito pelo Estado e ainda gozava de benefício fiscal. A abolição da escravidão acabou com o beneplácito estatal à exploração da escravatura, porém o ser humano continuou a ser explorado para sustentar privilégios criados em favor de alguns poucos. Ano após ano, o Estado brasileiro foi crescendo em tamanho e a máquina estatal passou a legitimar a exploração do trabalho de alguns brasileiros para sustentar vantagens e privilégios de outros. Tomemos, por exemplo, o crescimento da arrecadação tributária sobre a renda e os salários. Veja a tabela da Receita Federal: A tabela elaborada pela Receita Federal expõe que 69,71% da arrecadação tributária federal repousa sobre renda e folha de salários. Em outras palavras, é o esforço do cidadão brasileiro que é penalizado com a tributação. Se o trabalhador brasileiro tiver a felicidade de melhorar de salário, seu mérito será consumido em maior medida pela tributação. Se o empregador brasileiro contratar mais empregados, será penalizado com uma incidência maior sobre a folha de salários. A legislação tributária vigente isenta da tributação rendimentos inferiores a R$ 1.903, considerando que a faixa subsequente já ostenta capacidade contributiva. Nada mais abjeto. Um trabalhador brasileiro que recebe míseros dois salários mínimos paga imposto de renda retido na fonte e contribuição para a previdência. Seu empregador tem o dever ainda de recolher a contribuição patronal de 20% sobre o salário do trabalhador, além de fazer incidir 8% do FGTS. Significa dizer que a capacidade de remunerar o empregado será pesadamente reduzida pelas retenções e encargos trabalhistas. Veja uma simulação da incidência tributária sobre uma salário fictício de R$ 2.500,00 pagos por uma empregadora optante do SIMPLES: A situação se torna ainda mais grave quando a empregadora é optante do lucro presumido. Veja a simulação com a mesma base salarial: As simulações levaram em consideração empresas optantes do SIMPLES e do Lucro Presumido porque representam a maioria dos contribuintes dentre as pessoas jurídicas e servem para ilustrar que apesar dos regimes supostamente servirem para desonerar os contribuintes, ambos refletem uma pesada incidência da tributação sobre o trabalhador. A ilustração torna visível que as incidências oneram justamente quem mais deveria ser protegido e que portanto o Estado brasileiro perpetua a exploração dos seres humanos. Estudos que analisam o tempo de trabalho dedicado ao pagamento de tributos ilustra que a exploração do trabalho pelo Estado brasileiro cresce ano após ano: A crescimento da tributação sobre o trabalho (renda + folha de salários) cresce consistentemente justificada pelo argumento falacioso de promover a justiça distributiva. Nada mais inverídico. Veja a evolução da carga tributária no Brasil e a comparação com o PIB em tabela produzida pela Receita Federal: O gráfico mostra que a variação da arrecadação em comparação com a variação do PIB é quase sempre maior comparativamente na sequência histórica apresentada. É lícito afirmar que a arrecadação tributária sempre cresce mais que o crescimento do país, o que ajuda a explicar, em parte, nossa dificuldade de acompanhar o crescimento experimentado por países com características econômicas e populacionais parecidas às nossas. O gráfico mostra que o percentual de países com desempenho melhor que o Brasil aumentou nas últimas décadas. Em outras palavras, podemos dizer que praticamente todo o mundo consegue crescer mais que o Brasil nas últimas décadas. No fim do dia, isso significa que o crescimento e desenvolvimento econômico do Brasil é pífio e não permite promover a melhora nas condições de vida da população justamente porque na média não conseguimos produzir mais, nem gerar mais riqueza. Quando nos perguntamos se somos verdadeiramente livres, tenho dificuldades em responder afirmativamente. Se somos privados coercitivamente de parcela substancial daquilo que produzimos para que seja mantido o Estado de privilégios, sinceramente não vejo como chamar isso de liberdade.