DOAÇÃO DE QUOTAS COM RESERVA DE USUFRUTO

Dentre as estratégias possíveis para o planejamento sucessório, merece destaque a constituição da holding familiar. Trata-se de uma forma de organização do patrimônio, gestão eficiente dos ativos e otimização da tributação na sucessão. Dentre os vários benefícios, pode-se ainda identificar a possibilidade de atenuar ou evitar os conflitos familiares utilizando-se ferramentas de governança corporativa. A questão que pretendo abordar aqui diz respeito à celebração do contrato de doação das quotas da holding em favor dos herdeiros, como forma de antecipar a sucessão no âmbito da holding. Com o contrato de doação, os herdeiros passam a ser titulares de uma fração do patrimônio. A doação das quotas submete-se à tributação do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD – art. 155, I, Constituição) e a partir do recolhimento do tributo, o patrimônio pode constar do rol de bens do donatário regularmente. Ocorre que a partir da doação das quotas, o doador passa a não ostentar o direito de usufruir dos rendimentos da sociedade. Em outras palavras, os lucros e dividendos distribuídos aos sócios pertencerão aos donatários. Se o doador tiver celebrado a doação com os filhos ainda jovens e nutrindo a expectativa de usufruir dos rendimentos do patrimônio por mais tempo, estaríamos diante de um problema. Como solucionar? É neste contexto que se revela interessante a utilização do usufruto. Previsto no Código Civil nos artigos 1.390 a 1.411, em linhas gerais, a instituição de usufruto cria uma divisão da propriedade do bem. O nu-proprietário conserva apenas a faculdade de dispor da coisa (jus abutendi ou jus disponendi) e o usufrutuário, de seu turno, ostenta o direito de explorá-la economicamente, recebendo os frutos e utilidades que ela produz (jus utendi e jus fruendi). Logo, realizar a doação das quotas com reserva de usufruto seria uma estratégia interessante para assegurar ao doador, agora usufrutuário o direito de explorar economicamente as quotas. Porém, a isenção do imposto de renda sobre os lucros e dividendos (art. 10 da Lei n° 9.249/95) se aplica ao usufrutuário? É certo que o sócio/acionista possui isenção dos lucros e dividendos distribuído pela sociedade, mas esta isenção se aplicaria também ao doador que deixou de ser sócio a partir da doação e conserva o direito de usar e fruir das quotas pela usufruto? Vale reproduzir o artigo 10 da Lei n° 9.249/95: Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributa- das com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior. O dispositivo não refere expressamente sobre o usufruto, o que ensejou durante certo tempo uma interpretação equivocada por parte da Receita Federal de que o usufrutuário não estava amparado com a isenção. A lei refere “beneficiário” e não sócio ou acionista. Quisesse restringir, o legislador teria sido expresso. Logo, é evidente à luz da legislação civil o usufrutuário é o beneficiário dos lucros e dividendos distribuídos. Felizmente, em março de 2018, a Receita Federal do Brasil, por meio da sua Coordenação Geral de Tributação, emitiu a Solução de Consulta Cosit n° 38 que uniformizou o entendimento sobre o tema nos seguintes termos: ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA – IRPJ EMENTA: USUFRUTRO (sic) DE AÇÕES. DIVIDENDOS. TRIBUTAÇÃO. Os lucros ou dividendos pagos ao usufrutuário das ações da empresa constituem rendimento não sujeito à tributação pelo imposto de renda, desde que tenham sido calculados com base em resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996. Dispositivos Legais: Lei no 6.404, de 1976, arts. 40 e 116; Lei no10.406, de 2002, arts. 1.390 a 1.411; Lei no 9.249, de 1995, art. 10. Desde a publicação da orientação acima reproduzida não remanesce qualquer dúvida que os rendimentos pagos em favor do usufrutuário gozam da isenção prevista no artigo 10 da Lei n° 9.249/95. Portanto, é possível sustentar que a estratégia da celebração do contrato de doação com reserva do usufruto é uma estratégia válida, lícita e vantajosa do ponto de vista tributário.