EMPRÉSTIMO DO SÓCIO PARA A SOCIEDADE: AFAC E SEUS RISCOS

É muito comum os sócios aportarem recursos na sociedade, especialmente empresas em early stage. No início é dureza mesmo. Falta recursos para tudo e quem acaba pagando as contas são os sócios com recursos pessoais. E daí? Qual o problema? O problema é que dependendo de como estes aportes são feitos, pode-se estar criando contingências de natureza tributária. Explico. A constituição de uma pessoa jurídica somente faz sentido se for para segregar o patrimônio do sócio em relação ao risco do negócio. Em outras palavras, abre-se uma empresa para que a pessoa jurídica titule direitos e obrigações que não serão repassados aos sócios se tudo correr bem (sim: não estou falando da Justiça do Trabalho que possui uma lógica própria). Se esta é a premissa, o primeiro cuidado que deve ter é a separação dos recursos e assim evitar a confusão patrimonial. Em se verificando confusão patrimonial, tem-se a porta aberta para a desconsideração e aí todo o trabalho de proteção do patrimônio dos sócios cai por terra. Veja o que dispõe o Código Civil: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019) § 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) Note que ainda que a Lei da Liberdade Econômica (Lei n° 13.874/2019) tenha tentado reduzir as hipóteses de aplicação do instituto, a confusão patrimonial continua prevista com caracterizadora do abuso da personalidade jurídica. Então aqui vai o primeiro alerta deste texto: cuidado máximo para evitar a confusão patrimonial! E a forma de fazer é estabelecer com clareza a segregação referido no início do texto. Dívida da sociedade deve ser paga pela pessoa jurídica. Dívida dos sócios deve ser paga pelos sócios! Eis que voltamos ao ponto inicial. E como ficam as empresas em estágio inicial que não possuem recurso? O cenário ideal seria o aporte de recursos dos sócios para constituição do capital social e estes recursos deveriam ser suficientes para a manutenção das atividades até o negócio atingir o seu break-even. Aqui vem à tona a necessidade de um bom planejamento financeiro para saber exatamente o tamanho do investimento e a expectativa de ROI (return over investiment, retorno sobre o investimento) imaginada. No entanto, esta não é a realidade de grande maioria dos negócios no país. O brasileiro é um grande empreendedor. Tem muita coragem para empreender apesar das adversidades, porém tem pouquíssimo conhecimento e aí sobra imperícia. Então vamos ao exemplo real. Uma empresa é constituída com um capital social simbólico. Dois sócios informam no contrato terem aportado R$ 1.000,00, sendo que cada um contribuiu com R$ 500,00. O capital é dividido em 1.000 quotas de R$ 1,00 cada uma e estas estão divididas igualmente entre os sócios para que seja garantida a participação de 50% no negócio para cada. Esse quadro lhe é familiar? Creio que muitas empresas são constituídas com um contrato social muito parecido. Além do problema do capital social fictício que já expliquei acima, este arranjo cria uma situação de chamada no direito societário de “deadlock” (Em outro post vou explicar algumas formas de resolver este impasse). Seguindo o exemplo, esta sociedade dispõe de R$ 1.000,00 que normalmente vai contabilizando no ativo circulante como caixa e obviamente é consumido muito rapidamente. E como ficam as obrigações da sociedade nos próximos meses? Bom, chegamos ao ponto do título do artigo. Os sócios acabam aportando recursos na sociedade para pagar as contas. Estes aportes podem ser registrados contabilmente de duas formas, a depender da intenção da sociedade com os recursos. Os valores aportados podem ser tratados como empréstimo (mútuo) se a intenção é devolver o mais breve possível aos sócios ou, por outro lado, os aportes podem ser tratados como Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (AFAC), caso se entenda que o aporte é irreversível. O Conselho Federal de Contabilidade tratou do tema na Resolução n° 1.159/2009 (Comunicado Técnico CT 01). No primeiro caso, os aportes devem ser apropriados no passivo não circulante (obrigação de longo prazo), tratando como mútuo. De outra banda, se não há perspectiva de devolução dos valores, a classificação deve ser no patrimônio líquido, na conta de adiantamento para futuro aumento de capital e, quando concretizado, a conta de capital social. Quais as consequências? No primeiro caso, o tratamento de mútuo gera a obrigação de reconhecê-lo como tal e tributar o empréstimo