Uma brincadeira que faço com meus alunos é lançar uma maldição para aqueles que não se dedicam ao estudo do Direito Tributário: passarão o resto da vida profissional envolvidos com questões tributárias e aqui está um exemplo recorrente. É comum receber consulta de colegas, alguns ex-alunos, que questionam sobre a tributação de verbas recebidas por decisão da Justiça do Trabalho. Afinal: quais devem ser tributadas e quais não serão?
A questão pode ser didaticamente colocada nos seguintes termos: quando uma verba possuir natureza salarial, caracterizando renda (art. 43, I, CTN), haverá a incidência da tributação. Quando, por outro lado, a verba recebida possui natureza indenizatória, buscando recompor algo que foi perdido ou menoscabado, não haverá a incidência.
O problema é que a Justiça do Trabalho não tem essa clareza e por vezes determina a retenção do imposto de renda e contribuição previdenciária sobre valores que não deveriam ser tributados. A questão fica ainda mais complexa quando percebemos que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça possuem pronunciamentos, por vezes, conflitantes. Por isso, vou tentar deixar mais clara a questão.
RENDIMENTOS RECEBIDOS ACUMULADAMENTE (RRA)
Inicialmente, o primeiro ponto a ser esclarecido é que a incidência da tributação não deve ocorrer como se o pagamento da reclamada representasse uma quantia única. Em outras palavras, a pretensão deduzida no juízo trabalhista normalmente diz respeito a verbas que não foram pagas no momento correto e que se tivessem sido adimplidas mês a mês, ensejariam a aplicação da tabela progressiva do imposto de renda. Vale reproduzir:
Como os valores estão sendo pagos tardiamente e em uma única oportunidade, por óbvio que o montante cairia na alíquota mais elevada do imposto de renda. Com efeito, o empregado foi penalizado por não receber o valor devido no momento correto e acabou ainda sendo tributado da forma mais gravosa, o que resultaria na dupla injustiça. Depois de muito resistir, a Receita Federal acabou reconhecendo o direito do empregado de tributar os valores segundo a correta competência, prestigiando assim a progressividade preconizada pela Constituição (art. 153, §2° da CRFB).
A partir de 11.03.2015, os rendimentos recebidos acumuladamente devem ser submetidos à incidência do imposto sobre a renda com base na tabela progressiva, conforme artigo 702, Decreto n° 9.580/2018 (RIR/2018) e artigo 12-A da Lei n° 7.713/88. A Receita Federal oferece um simulador para que o contribuinte possa testar a tributação dos valores.
VERBAS DE NATUREZA REMUNERATÓRIAS TRIBUTÁVEIS
A tributação da renda deve respeitar a regra de competência estabelecida pelo artigo 153, III da Constituição que autoriza a União Federal instituir imposto sobre a renda e proventos. O Código Tributário Nacional estabeleceu o conceito de renda tributável que merece ser trazido à lume:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
Naquilo que interessa ao tema do artigo, destaco o inciso I do artigo 43, bem coma expressão “acréscimos patrimoniais” referidos no inciso II do mesmo artigo. É justamente por essa razão é que se sustenta que a renda tributável deve necessáriamente caracterizar riqueza nova. Para ilustrar com uma citação de um grande jurista, cito o Prof. Roque Antonio Carrazza:
“Renda é disponibilidade de riqueza nova, havida em dois momentos distintos. […] é o acréscimo patrimonial experimentado pelo contribuinte, ao longo de um determinado período de tempo. Ou, ainda, é o resultado positivo de uma subtração que tem, por minuendo, os rendimentos brutos auferidos pelo contribuinte, entre dois marcos temporais, e, por subtraendo, o total das deduções e abatimentos, que a Constituição e as leis que com ela se afinam permitem fazer. […] tanto a renda quanto os proventos de qualquer natureza pressupõem ações que revelem mais-valias, isto é, incrementos na capacidade contributiva. Só diante de realidades econômicas novas, que se incorporam ao patrimônio da pessoa […], é que podemos juridicamente falar em renda ou proventos de qualquer natureza”. CARRAZZA, Roque Antonio. A natureza meramente interpretativa do art. 129 da Lei 11.196/05, o imposto de renda, a contribuição previdenciária e as sociedades de serviços profissionais. RDDT, 154, jul. 2008, p. 109.
Por essas razões é que as verbas de natureza indenizatórias não se sujeitam à incidência do imposto de renda já que, em essência, visam tornar indene, recompor algo perdido. Cito o Desembargador Federal Leandro Paulsen:
Está bastante sedimentada, ainda, a jurisprudência no sentido de que as indenizações não ensejam a incidência de imposto de renda. Isso porque não implicam acréscimo patrimonial, apenas reparam uma perda, constituindo mera recomposição do patrimônio, conforme o STF, RE 188.684-6/SP. PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo.. [Minha Biblioteca].
Durante algum tempo pairou alguma dúvida sobre a indenização a título de dano moral. Porém o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento contrário a incidência, conforme se observa no enunciado da Súmula 498:
“Não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais”.(Súmula 498, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 13/08/2012)
São tributáveis os rendimentos provenientes do trabalho assalariado, as remunerações por trabalho prestado no exercício de empregos, cargos e funções, e quaisquer proventos ou vantagens percebidas, tais como:
a) gratificações;
b) adicionais de insalubridade e periculosidade;
c) horas extras e reflexos;
d) premiações comissões
e) férias;
f) utilidades salariais;
g) salário-base, entre outros.
A lista completa das verbas tributáveis, não exaustiva, está relacionada no artigo 36 do RIR/2018.
DIREITO DE ARENA/ATLETAS: “autêntico rendimento extra, corolário da compulsoriedade da transferência, para o atleta, de parte do montante arrecadado na competição, denotando nítido conteúdo de acréscimo patrimonial”. STJ, REsp 1679649/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TuRMA, julgado em 17/05/2018
Horas extras, 1/3 de férias gozadas, 13° e gratificação semestral: STJ, SegundaTurma, rel. Min. HuMBERTO MARTINS, AgRg no REsp 1305039/PR, DJefev. 2013; STJ, SegundaTurma, rel. Min. HuMBERTO MARTINS, AgRg no AREsp 408.040/MS, nov. 2013
O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no enunciado da Súmula nº 463 que:
“Incide imposto de renda sobre os valores percebidos a título de indenização por horas extraordinárias trabalhadas, ainda que decorrentes de acordo coletivo”.
A redação do enunciado não foi a mais adequada por utilizar a expressão “indenização”, quando os valores pagos pelas horas extras são evidentemente verbas que remuneram o trabalho prestado pelo empregado além da sua jornada.
VERBAS DE NATUREZA INDENIZATÓRIAS E NÃO TRIBUTÁVEIS
Seguindo a distinção estabelecida acima, para aquelas verbas que visam recompor algum prejuízo, ressarcir alguma despesa incorrida pelo empregado ou até mesmo indenizar algum atributo da personalidade, não deverá incidir a tributação da renda. Pode-se ilustrar as seguintes parcelas:
a) transporte;
b) alimentação;
c) uniformes;
d) equipamentos de proteção individual;
e) diárias;
f) aviso prévio indenizado;
g) depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS);
h) salário-família;
i) seguro desemprego
j) ajuda de custo
k) multa rescisória de 40%, entre outros.
A lista completa das verbas não tributáveis, não exaustiva, está relacionada no artigo 35 do RIR/2018.
●Súmula 125 do STJ: “O pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não está sujeito à incidência do Imposto de Renda”. No mesmo sentido: RREE ns. 548.828/RS, 487.121/RS, 559.964/RS e 591.140/RS.
●Férias vencidas e não goazadas e sobre o respectivo acréscimo de 1/3: STJ, Primeira Turma, AgRg no REsp1057542.
● Súmula 136 do STJ: “O pagamento de licença-prêmio não gozada por necessidade do serviço não está sujeito ao imposto de renda”.
●Auxílio-creche: STJ, REsp 625.506/RS
Ajudas de custo pela utilização de veículo próprio: STJ, REsp 789.706/RS.
Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça editou o enunciado da Súmula nº 386 para reconhecer a não incidência do Imposto de Renda nas indenizações de férias proporcionais e o respectivo adicional.
TEMA 808, STF: JUROS MORTÓRIOS
O tema da tributação dos juros moratórios foi recentemente decidido pelo Supremo Tribunal Federal no regime da repercussão geral. Eu abordei o tema em outro artigo já publicado aqui.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A legislação autoriza a dedução dos honorários advocatícios contratados para a representação em juízo e, por decorrência, obtenção dos valores recebidos pelo contribuinte. Vale reproduzir o dispositivo da Lei n° 7.713/88:
Art. 12-A. Os rendimentos recebidos acumuladamente e submetidos à incidência do imposto sobre a renda com base na tabela progressiva, quando correspondentes a anos-calendário anteriores ao do recebimento, serão tributados exclusivamente na fonte, no mês do recebimento ou crédito, em separado dos demais rendimentos recebidos no mês. (Redação dada pela Lei nº 13.149, de 2015)
(…)
§ 2o Poderão ser excluídas as despesas, relativas ao montante dos rendimentos tributáveis, com ação judicial necessárias ao seu recebimento, inclusive de advogados, se tiverem sido pagas pelo contribuinte, sem indenização.
(…)
Art. 12-B. Os rendimentos recebidos acumuladamente, quando correspondentes ao ano-calendário em curso, serão tributados, no mês do recebimento ou crédito, sobre o total dos rendimentos, diminuídos do valor das despesas com ação judicial necessárias ao seu recebimento, inclusive de advogados, se tiverem sido pagas pelo contribuinte, sem indenização. (Incluído pela Lei nº 13.149, de 2015)
A mesma disposição é encontrada no artigo 49 do RIR/2018 e artigo 38 da Instrução Normativa RFB n° 1.500/2014. Os honorários advocatícios devem ser informados manualmente na declaração de ajuste anual, pois o programa não permite a dedução automática dos honorários. O valor integral das despesas com advogado deve ainda ser lançado na opção “Pagamentos Efetuados”, linha “61 – Advogados (honorários relativos a ações judiciais trabalhistas)”.