Aprovação da MP 1.152/22 – Novas regras de Preço de Transferência brasileiras acolhem o princípio do ‘Arm’s Lenght’
Ederson Porto e Nicole Noschang
O Senado brasileiro aprovou, no dia 10 de maio de 2023, a Medida Provisória (MP) nº 1.152/2022, introduzindo as novas regras de preços de transferência no Brasil que inserem o princípio ‘Arm’s Length’. Até a publicação deste artigo a Medida Provisória não havia sido sancionada pelo Presidente da República, o que provavelmente ocorrerá nos próximos dias.
O tratamento do tema “preço de transferência” (Transfer Pricing – TP) inicia no Brasil em 1996 com a edição da Lei nº 9.430/96, seguindo os passos firmados anteriormente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nas primeiras versões das orientações de TP publicadas pela organização, as ‘OECD TP Guidelines’.
A principal preocupação é disciplinar a correta determinação dos valores atribuídos a transações entre empresas consideradas vinculadas e notadamente entidades sediadas em jurisdição com tratamento tributário favorecido, os chamados paraísos fiscais. Em essência, o tratamento do preço de transferência visa combater planejamentos tributários abusivos quando empresas relacionadas adotam preços distintos daqueles praticados em situação de livre concorrência pelo mercado.
Em que pese os estudos de “Transfer Pricing” tenham avançado em nível global, com sua modernização através da adaptação das diretrizes ao racional econômico do mercado, o sistema brasileiro se manteve praticamente inalterado desde sua concepção, utilizando-se de uma lógica simplista de margens fixas que, ainda que possa ser vista como prática no ambiente doméstico, não dialogava com grande parte do mercado relevante mundial que utiliza das orientações da OCDE. Tal dissonância ocasionava a perda de receita tributável para o Brasil, a bitributação e o desincentivo de investimento no mercado interno brasileiro, que acabava gerando insegurança jurídica especialmente em relação ao correto tratamento tributário em relações internacionais.
A MP aprovada rompe com esse antigo paradigma, objetivando, então, implementar o modelo da OCDE para o tratamento de preços de transferência no país. Tal modernização torna o sistema tributário brasileiro ajustado aos parâmetros globais, o tornando mais integrado e melhorando a eficiência da avaliação de distorções tributárias.
O texto aprovado pelo Senado Federal inalterou aquele inicialmente acatado por maioria pela Câmara dos Deputados no dia 30 de março de 2023, que havia abraçado 15 das 107 emendas propostas (nº 2, 4, 5, 11, 13, 22, 32, 36, 42, 45, 47, 48, 58, 77 e 88).
Dentre os tópicos tratados pelo texto da lei, destaca-se:
– A introdução do princípio Arm’s Length[1] na legislação e a ampliação do conceito de partes relacionadas;
– A adoção mandatória da regra a partir de 1º de janeiro de 2024 e opcional para 2023;
– A introdução dos cinco métodos de preço de transferência (CUP, RPM, CPM, TNMM e PSM, que são traduzidos para PIC, PRL, MCL, MLT e MDL) e a possibilidade de seleção de método mais apropriado para cada transação;
– Introdução da análise funcional e econômica para aplicação da regra;
– Ampliação das transações escopo das regras, incorporando transações não antes sujeitas as regras de preço de transferência como as referentes a intangíveis e contratos de compartilhamento de custos;
– Implementação de instrumentos de “safe harbor” alinhados a realidade econômica;
– Permissão da dedutibilidade do pagamento de royalties para entidades residentes ou domiciliadas em país ou dependência com tributação favorecida ou que sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado;
– Indicação do método PIC como mais apropriado em operações de commodities, com a possibilidade de utilização de outros métodos para casos em que se revele necessário;
– Ampliação do conceito de operações financeiras;
O próximo passo para total implementação da nova regra é a sanção do Presidente da República, que poderá ser integral ou contendo veto parcial ou total do texto. E m caso de veto, o Congresso Nacional ainda poderá mantê-lo ou derrubá-lo. Contudo, caso o Presidente se mantenha silente nos 15 dias que seguem a data de recebimento do texto, a sanção presidencial ocorre de forma automática (art.66, §1º da Constituição Federal), com a consequente incorporação das novas regras de TP.
Desse modo, recomenda-se a avaliação imediata dos impactos da mudança da norma para fins de evitar problemas futuros com as autoridades fiscais, considerando que as empresas terão que estar a par das exigências dos novos estudos de preços de transferência a partir do próximo ano, e tomar medidas necessárias para garantir que estejam em conformidade com as novas regras.
[1] O princípio Arm’s Lenght dita que as transações controladas entre partes relacionadas devem se dar da mesma forma que se dariam entre partes não relacionadas.