PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO GARANTE BLINDAGEM PATRIMONIAL?

Algumas empresas de assessoria patrimonial vendem o serviço de “blindagem patrimonial” como objetivo do planejamento sucessório/empresarial. Isso é possível?

Em primeiro lugar é preciso esclarecer que a constituição de uma pessoa jurídica confere segregação patrimonial em relação aos bens pertencentes aos sócios. Significa dizer que a sociedade titula direitos e obrigações que não se confundem com os direitos e obrigações dos sócios. Num primeiro momento, pode-se afirmar que a conferência de bens da família para uma sociedade separa o patrimônio de eventuais riscos e conflitos familiares.

A dívida da sociedade não deve ser cobrada dos sócios e a dívida do sócio não pode ser cobrada da sociedade. Esta é a regra e a razão de existir uma pessoa jurídica, com autonomia e personalidade jurídica própria.

Ocorre que a história nos ensina que algumas pessoas se serviram da sociedade para perpetrar fraude contra credores, praticar golpes e se furtar ao cumprimento de suas obrigações. O direito se deparou com o dilema: poderia alguém praticar ilícito e esconder seu patrimônio numa sociedade? Em resposta, o direito criou o instituto da desconsideração da personalidade jurídica que originalmente foi concebido para coibir abusos. Trata-se de importante instituto para realizar a distinção entre aqueles que licitamente constituem uma pessoa jurídica daqueles que abusivamente se valem dela.

Como num pêndulo, o direito se moveu para coibir um abuso e acabou, por excesso de aplicação da desconsideração, cometendo outros ainda maiores. Explico: a partir da difusão do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, o Judiciário passou a aplicá-lo de forma exagerada, chegando em alguns casos a nem considerar a autonomia patrimonial originalmente concebida. A onda começou no direito do consumidor, espalhou-se no direito do trabalho, tomou força no direito tributário e acabou contaminando toda a prática jurídica, a ponto de não ser possível garantir que a busca por autonomia patrimonial fosse efetivamente garantida. Novamente se faz a pergunta: planejamento pode conferir blindagem patrimonial? A resposta vai depender do tipo de risco e/ou credores estivermos falando e de algumas questões que devem ser criteriosamente analisadas por um profissional gabaritado.

No intuito de coibir os abusos e restringir a aplicação exagerada do instituto, a Lei da Liberdade Econômica trouxe nova redação ao artigo 50 do Código Civil que estabelece as condições para aplicação da disregard:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

A inovação legislativa melhora o cenário e fornece critérios mais precisos para que os profissionais possam elaborar o planejamento sucessório, assim como para que o Judiciário possa melhor aplicar o importante instituto.

O ponto que merece ser destacado é que a utilização do planejamento sucessório não serve para lesar credores. É possível adotar estratégia para conferir proteção ao patrimônio familiar para que não esteja sujeito a todo o tipo de ameaça como conflito familiar, risco do negócio da empresa, constrição em razão de disputas que não deveriam atingir o patrimônio familiar. No entanto, não se pode utilizar do planejamento para fraudar execução, lesar credores e assim permitir que vigaristas saiam ilesos de suas falcatruas. Para estes casos, há remédio jurídico e o Judiciário estará atento para atuar. Para todos os outros, é possível sim realizar a proteção do patrimônio, observando a legislação vigente.

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