Uma das principais proteções asseguradas aos contribuintes é, sem dúvida, a legalidade tributária. Trata-se de um instrumento de consulta popular (indireta, é bem verdade) sobre qual o tipo e nível de tributação é aceitável por aquela sociedade.
Exigir lei para instituir e majorar tributos deveria ser uma salvaguarda sagrada, impassível de questionamento ou mitigação.
No entanto, o que se observa da jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Federal é que tal garantia pode ser relativizada.
No julgamento do RE n° 434.446, o STF reconheceu a constitucionalidade da da contribuição ao Seguro de Acidente do Trabalho (SAT). Assim, empresas que extrapolarem o índice-médio de acidentes do trabalho do respectivo setor produtivo terão que recolher uma contribuição adicional de 0,9 % a 1,8% para financiamento do SAT. Neste leading case, o Relator, Min. Carlos Velloso, defendeu que as leis questionadas “definem satisfatoriamente todos os elementos capazes de fazer nascer uma obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de atividade preponderante e grau de risco leve, médio ou grave, não implica ofensa ao princípio da legalidade tributária”. A decisão foi unânime.
Posteriormente, a matéria voltou a ocupar a pauta do STF com o reconhecimento de repercussão geral no RE 677.725 de Relatoria do Min. Luiz Fux (Tema 554, STF).
Em 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do RE 1043313 (Tema 939 da repercussão geral), proclamou ser “constitucional a flexibilização da legalidade tributária constante do parágrafo 2º do artigo 27 da Lei nº 10.865/04, no que permitiu ao Poder Executivo, prevendo as condições e fixando os tetos, reduzir e restabelecer as alíquotas de PIS/COFINS sobre receitas financeiras de contribuintes sujeitos ao regime não cumulativo.
Esta trajetória de precedentes do Supremo Tribunal Federal sinaliza que o Poder Legislativo pode delegar “bandas” ou “faixas” para que o Poder Executivo gradue conforme seus critérios de conveniência e se o exercício dessa prerrogativa respeitar as balizas fixadas em lei, não há falar em violação à legalidade tributária.
Com todo o respeito à orientação firmada pela Suprema Corte, não se pode com ela concordar. A legalidade tributária não é um regra irrelevante ou norma cuja eficácia possa ser reduzida pelo intérprete. O constituinte quis assegurar que a última palavra sobre tributação fosse do cidadão representado pelo parlamento e expressamente enumerou as exceções (Imposto de Importação, Exportação, IPI e IOF, por exemplo).
Quando o legislativo desvia desse regramento e confere ao Executivo poderes para mudar o nível de incidência tributária, há um flagrante desvirtuamento da concepção traçada na Constituição. Não se pode admitir que o contribuinte não seja consultado sobre a incidência mais gravosa sob pena de voltarmos mais de dois séculos de desenvolvimento do Direito ao pretexto de facilitar a tributação. Saudades dos tempos em que o brocardo “there is no taxation without representation”.
Eu escrevi com maior profundidade sobre o tema no artigo cuja íntegra está disponível abaixo. É só clicar: https://edersonporto.com/wp-content/uploads/2022/09/Artigo-Legalidade.pdf