O pagamento de juros de mora após o depósito judicial (revisão do TEMA 677, STJ) e seus reflexos no Direito Tributário

O contribuinte que efetua o depósito do montante integral em juízo deve responder pelos juros de mora tal como decidido recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça? 

depósito suspende a exigência de juros de mora?

Desde o julgamento ocorrido em 19 de outubro de 2022, quando os Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram, por sete votos a seis, a revisar a orientação firmada no Tema Repetitivo n° 677, cujo caso paradigma é o REsp 1820963/SP essa pergunta tem sido feita com muita frequência. 

De acordo com a Corte Especial, o devedor deve pagar juros de mora após o depósito judicial que garantiu parcial ou integralmente o valor da execução.

A discussão enfrentada pelo STJ diz respeito aos depósitos realizados na fase de execução da sentença, após a definição da quantia da obrigação de pagar. Na fase de execução processual, havendo discordância por parte do devedor acerca do valor, há a possibilidade de impugnação. Para tanto, é necessário que proceda com a garantia do montante da execução, efetuado, normalmente, por meio de depósito judicial. Nesse caso, cumpre salientar que o credor só recebe o dinheiro quando a discussão judicial é encerrada. 

Inicialmente, o entendimento firmado no Tema 677 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no ano de 2014, estabelecia que o depósito realizado para segurança do juízo e oferecimento de impugnação ao cumprimento de sentença ou de embargos à execução, se equivale ao depósito em pagamento. Isso quer dizer que o depósito da condenação extinguia a obrigação do devedor. Dessa forma, o simples depósito fazia cessar os efeitos da mora. 

Contudo, o entendimento foi objeto de muita discussão e oscilações nos tribunais do país. Assim, no julgamento do REsp 1.475.859/RJ, a 3ª Turma do STJ modificou a interpretação dada pelo aludido Tema, compreendendo que a simples realização do depósito não enseja a cessação da mora.

À vista de evidente divergência ocasionada pelas interpretações, bem como da necessidade de revisão do entendimento, foi suscitada a Questão de Ordem no Recurso Especial nº 1.820.963/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, com o intuito de adequar e uniformizar o tema. 

No julgamento ficou definido o seguinte posicionamento:

Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.”

A interpretação dada pelo STJ no último julgamento é considerada uma complementação ao posicionamento anterior da Corte. Portanto, os consectários de mora devem incidir até a data do efetivo pagamento ao credor, de sorte que a diferença entre o saldo da conta judicial e o montante final devem ser pagos pelo devedor. 

A Ministra Nancy Andrighi explicou na ocasião que não representa uma mudança na jurisprudência, apenas uma complementação com o fito de esclarecer o enunciado anterior, em razão das diferentes interpretações realizadas pelos tribunais.[1]

De acordo com o entendimento firmado no ano de 2014, o credor tinha tão somente o direito a juros e correção monetárias pagas pela própria instituição financeira que guarda o depósito. Ocorre que, muitas vezes, em virtude dos índices utilizados pelos bancos, o valor fica inferior ao que o credor teria direito contratualmente.[2]

Contudo, o STJ definiu que o devedor deverá arcar com esses encargos de mora surgidos após o depósito judicial. Nesse sentido, a instituição financeira com a atribuição de guardar o valor continua responsável pelos juros e correção monetária que já incidiam sobre o valor objeto de depósito, para fim de atualização. Ainda, os encargos de mora previstos contratualmente, surgidos após o depósito, ficam a cargo do devedor, considerando o desconto da atualização realizada pelas instituições financeiras.[3]

A pergunta formulada no início do texto segue sem resposta. Afinal, o contribuinte que depositou o montante integral devido em juízo deve responder pelos juros de mora?

A resposta é negativa. A formação do precedente antes referido se deu em torno de um caso de direito privado, cuja disciplina e regramento são sabidamente distintos do Direito Tributário. Essa explicação já seria suficiente para afirmar que os encargos de mora previstos contratualmente não se assemelham aos encargos de mora previstos na legislação tributária.

No entanto, é preciso esclarecer que o Direito Tributário consagra o instituto da suspensão da exigibilidade do crédito tributário de forma expressa no artigo 151 do Código Tributário Nacional[4]. Significa dizer que o crédito tributário, quando submetido aos eventos elencados no referido dispositivo, tem sua exigibilidade suspensa. Em outras palavras, falece ao credor o direito de exigir o crédito porque suspenso. Contudo, de acordo com o entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça, através do enunciado da Súmula 112: “O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro”[5]. Por essa razão, importante que seja atualizado o valor a ser depositado para que corresponda à totalidade do crédito, adequando-se à orientação sumulada no STJ. Importante lembrar que a atualização deve seguir os índices estabelecidos para os débitos tributários federais, consoante art. 32, § 1º, da LEF. 

Para tornar claro o assunto, impõe-se registrar que o Superior Tribunal de Justiça possui posição firmada em tema repetitivo, onde se observa que o crédito com a exigibilidade suspensa impede o ajuizamento da execução e em caso de já ter sido ajuizada, importa na extinção do feito executivo. Vale transcrever o paradigma:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. AÇÃO ANTIEXACIONAL ANTERIOR À EXECUÇÃO FISCAL. DEPÓSITO INTEGRAL DO DÉBITO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO (ART. 151, II, DO CTN). ÓBICE À PROPOSITURA DA EXECUÇÃO FISCAL, QUE, ACASO AJUIZADA, DEVERÁ SER EXTINTA. 1. O depósito do montante integral do débito, nos termos do artigo 151, inciso II, do CTN, suspende a exigibilidade do crédito tributário, impedindo o ajuizamento da execução fiscal por parte da Fazenda Pública. (Precedentes: REsp 885.246/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 06/08/2010; REsp 1074506/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 06/08/2009, DJe 21/09/2009; AgRg nos EDcl no REsp 1108852/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, julgado em 18/08/2009, DJe 10/09/2009; AgRg no REsp 774.180/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 16/06/2009, DJe 29/06/2009; REsp 807.685/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, julgado em 04/04/2006, DJ 08/05/2006; REsp 789.920/MA, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Primeira Turma, julgado em 16/02/2006, DJ 06/03/2006; REsp 601.432/CE, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Segunda Turma, julgado em 27/09/2005, DJ 28/11/2005; REsp 255.701/SP, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, Segunda Turma, julgado em 27/04/2004, DJ 09/08/2004; REsp 174.000/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, julgado em 08/05/2001, DJ 25/06/2001; REsp 62.767/PE, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Segunda Turma, julgado em 03/04/1997, DJ 28/04/1997; REsp 4.089/SP, Rel. Ministro GERALDO SOBRAL, Rel. p/ Acórdão MIN. JOSÉ DE JESUS FILHO, Primeira Turma, julgado em 27/02/1991, DJ 29/04/1991; AgRg no Ag 4.664/CE, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, Primeira Turma, julgado em 22/08/1990, DJ 24/09/1990) 2. É que as causas suspensivas da exigibilidade do crédito tributário (art. 151 do CTN) impedem a realização, pelo Fisco, de atos de cobrança, os quais têm início em momento posterior ao lançamento, com a lavratura do auto de infração. 3. O processo de cobrança do crédito tributário encarta as seguintes etapas, visando ao efetivo recebimento do referido crédito: a) a cobrança administrativa, que ocorrerá mediante a lavratura do auto de infração e aplicação de multa: exigibilidade-autuação ; b) a inscrição em dívida ativa: exigibilidade-inscrição; c) a cobrança judicial, via execução fiscal: exigibilidade-execução. 4. Os efeitos da suspensão da exigibilidade pela realização do depósito integral do crédito exequendo, quer no bojo de ação anulatória, quer no de ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária, ou mesmo no de mandado de segurança, desde que ajuizados anteriormente à execução fiscal, têm o condão de impedir a lavratura do auto de infração, assim como de coibir o ato de inscrição em dívida ativa e o ajuizamento da execução fiscal, a qual, acaso proposta, deverá ser extinta. 5. A improcedência da ação antiexacional (precedida do depósito do montante integral) acarreta a conversão do depósito em renda em favor da Fazenda Pública, extinguindo o crédito tributário, consoante o comando do art. 156, VI, do CTN, na esteira dos ensinamentos de abalizada doutrina, verbis: “Depois da constituição definitiva do crédito, o depósito, quer tenha sido prévio ou posterior, tem o mérito de impedir a propositura da ação de cobrança, vale dizer, da execução fiscal, porquanto fica suspensa a exigibilidade do crédito. (…) Ao promover a ação anulatória de lançamento, ou a declaratória de inexistência de relação tributária, ou mesmo o mandado de segurança, o autor fará a prova do depósito e pedirá ao Juiz que mande cientificar a Fazenda Pública, para os fins do art. 151, II, do Código Tributário Nacional. Se pretender a suspensão da exigibilidade antes da propositura da ação, poderá fazer o depósito e, em seguida, juntando o respectivo comprovante, pedir ao Juiz que mande notificar a Fazenda Pública. Terá então o prazo de 30 dias para promover a ação. Julgada a ação procedente, o depósito deve ser devolvido ao contribuinte, e se improcedente, convertido em renda da Fazenda Pública, desde que a sentença de mérito tenha transitado em julgado” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª ed., p. 205/206). 6. In casu, o Tribunal a quo, ao conceder a liminar pleiteada no bojo do presente agravo de instrumento, consignou a integralidade do depósito efetuado, às fls. 77/78: “A verossimilhança do pedido é manifesta, pois houve o depósito dos valores reclamados em execução, o que acarreta a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, de forma que concedo a liminar pleiteada para o fim de suspender a execução até o julgamento do mandado de segurança ou julgamento deste pela Turma Julgadora.” 7. A ocorrência do depósito integral do montante devido restou ratificada no aresto recorrido, consoante dessume-se do seguinte excerto do voto condutor, in verbis: “O depósito do valor do débito impede o ajuizamento de ação executiva até o trânsito em julgado da ação. Consta que foi efetuado o depósito nos autos do Mandado de Segurança impetrado pela agravante, o qual encontra-se em andamento, de forma que a exigibilidade do tributo permanece suspensa até solução definitiva. Assim sendo, a Municipalidade não está autorizada a proceder à cobrança de tributo cuja legalidade está sendo discutida judicialmente.” 8. In casu, o Município recorrente alegou violação do art. 151, II, do CTN, ao argumento de que o depósito efetuado não seria integral, posto não coincidir com o valor constante da CDA, por isso que inapto a garantir a execução, determinar sua suspensão ou extinção, tese insindicável pelo STJ, mercê de a questão remanescer quanto aos efeitos do depósito servirem à fixação da tese repetitiva. 9. Destarte, ante a ocorrência do depósito do montante integral do débito exequendo, no bojo de ação antiexacional proposta em momento anterior ao ajuizamento da execução, a extinção do executivo fiscal é medida que se impõe, porquanto suspensa a exigibilidade do referido crédito tributário. 10. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008. (REsp 1140956/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Seção, julgado em 24/11/2010, DJe 03/12/2010) 

Destarte, além da função de suspensão da exigibilidade, o depósito preparatório, impede a propositura de execução fiscal no que tange aos créditos suspensos. Inclusive, o entendimento é no sentido de que o depósito integral do débito tributário para a garantia do juízo, acaba por afastar a incidência dos juros de mora, a partir da data em que foi realizado[6].

Para deixar ainda mais evidente a distinção, impõe-se sinalar que o depósito do montante integral do débito não caracteriza apenas a suspensão de exigibilidade do crédito tributário, mas também pode ensejar a extinção do crédito tributário, diante da conversão do depósito em renda.[7]

Se o sistema normativo estabelece hipótese para suspender a exigibilidade do crédito, como forma de criar o mecanismo para o controle da legalidade da exação na via judicial, não faz sentido que o contribuinte que efetuou o depósito do montante integral devidamente corrigido seja tratado como inadimplente, pois, como já dito, a execução civil não pode ser equiparada à execução fiscal, como de fato não é.

O frenesi em torno da formação de uma nova orientação pelo Superior Tribunal de Justiça traz um importante alerta: devemos estudar cuidadosamente os precedentes e fazer o necessário cotejo da ratio decidendi do julgado com a tese fixada para que não se cometa o equívoco de espalhar o que se convencionou chamar de “fake precedente”. 

Éderson Porto e Marina Costa


[1] STJ obrigada devedor a pagar encargos de mora surgidos após o depósito judicial. JOTA, 2022. Disponível em: https://www.jota.info/justica/stj-obriga-devedor-a-pagar-encargos-de-mora-surgidos-apos-o-deposito-judicial-19102022

[2] STJ obrigada devedor a pagar encargos de mora surgidos após o depósito judicial. JOTA, 2022. Disponível em: https://www.jota.info/justica/stj-obriga-devedor-a-pagar-encargos-de-mora-surgidos-apos-o-deposito-judicial-19102022

[3] STJ obrigada devedor a pagar encargos de mora surgidos após o depósito judicial. JOTA, 2022. Disponível em: https://www.jota.info/justica/stj-obriga-devedor-a-pagar-encargos-de-mora-surgidos-apos-o-deposito-judicial-19102022

[4] Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I – moratória; II – o depósito do seu montante integral;

[5] O seguinte julgado proferido pelo excelso Superior Tribunal de Justiça, identifica a ratio essendi da Súmula 112: “Processual Civil e Tributário. Ação de Consignação em Pagamento. Títulos da Dívida Pública com Cotação em Bolsa. Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário. Art. 151, II, do CTN. Impossibilidade. Súmula 112/STJ. Necessidade de Autorização Legislativa Específica. Conversão em Renda da Entidade Tributante. Pagamento. 1. O art. 151, II, do CTN exige para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário que o depósito efetuado seja integral e em dinheiro. Aplicação in casu da Súmula 112/STJ, que dispõe: “O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro.” 2. A ratio essendi da Súmula, à luz do que dispõe a Lei, baseia-se na constatação fática de que, em caso de improcedência dos pedidos formulados pelo contribuinte a conversão do depósito efetuado em renda a favor da entidade tributante cumpre a finalidade da ação de execução fiscal, e atende o princípio da economia processual. 3. Deveras, o pagamento de tributos por outras formas, que não em dinheiro, reclama autorização legislativa (art. 162, I e II, do CTN). 4. Precedentes. 5. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nessa parte, provido.” (STJ, REsp. 474100/RS, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 08/07/2003)

[6] Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.

[7] Art. 156. Extinguem o crédito tributário: VI – a conversão de depósito em renda;

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