A compra de ações na Bolsa de Valores (B3) por parte de empresas optantes pelo Simples Nacional: possibilidades e vedações.
Por Éderson Garin Porto e Artur Hauser Schmitz
O Sistema Tributário Nacional determina tratamento favorecido para micro e pequenas empresas (art. 146, III, alínea “d”, Constituição), tendo sido atualizado o texto pela Emenda Constitucional n° 132/2023: “d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso dos impostos previstos nos arts. 155, II, e 156-A, das contribuições sociais previstas no art. 195, I e V, e § 12 e da contribuição a que se refere o art. 239.
A discriminação feita no âmbito do texto constitucional tem um propósito claramente definido: favorecer o empreendedorismo. Como é sabido e reconhecido que o desenvolvimento econômico depende da ação voluntária dos agentes econômicos e que, por regra, o empreendedor inicia seu negócio seu recursos ou experiência, conferir um tratamento tributário diferenciado não é um benefício e sim o reconhecimento da realidade.
Não se pode perder de vista que o regime de tributação ordinário é extremamente oneroso e complexo quando comparado com outros países em desenvolvimento, daí a razão para se excepcionar as regras gerais para os micro e pequenos negócios. É neste contexto que se insere a Lei Complementar n° 123/2003, conhecido como estatuto da micro e pequena empresa e que cria o regime de tributação diferenciado chamado “SIMPLES”.
Atualmente, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), mais de 12 milhões de micro e pequenas brasileiras são optantes do regime de tributação do Simples Nacional.
O legislador decidiu estabelecer um critério de distinção entre as empresas que podem se beneficiar do regime e aquelas que não podem, a saber: receita bruta anual (art. 3°, da Lei Complementar n° 123/2003). Significa dizer que, segundo o critério definido pelo legislador, sociedades que faturem até R$ 4,8 milhões poderiam, em tese, valer-se do regime especial.
Ocorre que há, também, uma série de limitações para o adequado exercício deste regime tributário diferenciado, o qual, em muitas ocasiões, acaba dificultando o acesso ao regime e gerando conflitos no Judiciário.
O tema em discussão aborda o critério adicional previsto no artigo 3°, § 4°, inciso VII da LC 123/2003 que veda a fruição do regime para empresa que participe do capital social de outra pessoa jurídica. Buscando compreender a vedação, pode-se sugerir que o legislador procurou excluir do tratamento favorecido organizações ou grupos empresariais que por sua complexidade societária indicaria um porte incompatível com o benefício.
É preciso reiterar que o Simples não pode ser enquadrado como benefício. Regime diferenciado para empresas pequenas consiste em promover o princípio constitucional da capacidade contributiva, reconhecendo a baixa capacidade econômica das micro e pequenas empresas. Se a entidade se enquadra no critério definido pelo legislador (receita bruta anual), qualquer outro critério a ser exigido importaria em aplicar discriminação indevida para contribuintes em situação equivalente, o que contraria o previsto no artigo 150, II da Constituição. Infelizmente esta não é a posição do Supremo Tribunal Federal que considerou constitucional tais discriminações:
ACÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. LEGITIMIDADE ATIVA. PESSOAS JURÍDICAS IMPEDIDAS DE OPTAR PELO REGIME. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Há pertinência temática entre os objetivos institucionais da requerente e o inciso XIII do artigo 9º da Lei 9317/96, uma vez que o pedido visa a defesa dos interesses de profissionais liberais, nada obstante a referência a pessoas jurídicas prestadoras de serviços. 2. Legitimidade ativa da Confederação. O Decreto de 27/05/54 reconhece-a como entidade sindical de grau superior, coordenadora dos interesses das profissões liberais em todo o território nacional. Precedente. 3. Por disposição constitucional (CF, artigo 179), as microempresas e as empresas de pequeno porte devem ser beneficiadas, nos termos da lei , pela “simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas” (CF, artigo 179). 4. Não há ofensa ao princípio da isonomia tributária se a lei, por motivos extrafiscais, imprime tratamento desigual a microempresas e empresas de pequeno porte de capacidade contributiva distinta, afastando do regime do SIMPLES aquelas cujos sócios têm condição de disputar o mercado de trabalho sem assistência do Estado. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 1643, Relator(a): MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 05-12-2002, DJ 14-03-2003 PP-00028 EMENT VOL-02102-01 PP-00032)
No mesmo sentido: RE 627543, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, j. 30.10.2013.
Se há vedação para que uma empresa do Simples possa participar do capital social de outra pessoa jurídica e tal vedação é constitucional na visão do Supremo, retoma-se a pergunta do artigo: uma optante do Simples pode investir na Bolsa de Valores?
É importante destacar que a aquisição de ações no mercado de balcão torna o proprietário acionista da referida companhia. Ainda que a participação seja diminuta, resta preenchido o suporte fático da vedação antes referida. A proibição para que uma empresa optante do Simples possa investir em ações está expressamente definido no âmbito da Resolução CGSN n° 140/2018, conforme consta no Anexo VI (Código CNAE – 6611-8/01 – BOLSA DE VALORES; Código CNAE – 6612-6/05 – AGENTES DE INVESTIMENTOS EM APLICAÇÕES FINANCEIRAS). A Resolução estabelece que está impedida de ingressar no regime:
Art. 15. (…) VIII – que participe do capital de outra pessoa jurídica ou de sociedade em conta de participação; (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 3º, § 4º, inciso VII)
A Receita Federal já esclareceu, conforme a Solução de Consulta COSIT n. 186/2018, que a pessoa jurídica cujo titular ou sócio participe, mesmo na condição de nu-proprietário de quotas sociais, com mais de 10% (dez por cento) do capital de outra empresa não beneficiada pelo regime diferenciado, opte pela referida adesão ao Simples Nacional, desde que a sua receita bruta global ultrapasse o limite atual do imposto pela LC n. 123/2003 (R$ 4, 8 milhões).
Este contexto normativo, leva a concluir que as empresas optantes do Simples nacional estão proibidas de diversificar suas aplicações, sugerindo que a alocação de recursos na Bolsa de Valores estaria interditado. Esta interpretação ainda que coerente com as referências até aqui expostas, vai de encontro à regulamentação da Receita Federal exarada na Instrução Normativa n° 1.585/2015. Vale reproduzir o texto:
Seção III Das Disposições Comuns às Operações de Renda Fixa e de Renda Variável
Art. 70. O imposto sobre a renda retido na fonte sobre os rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa e de renda variável ou pago sobre os ganhos líquidos mensais será:
I – deduzido do devido no encerramento de cada período de apuração ou na data da extinção, no caso de pessoa jurídica tributada com base no lucro real, presumido ou arbitrado;
II – definitivo, no caso de pessoa física e de pessoa jurídica optante pela inscrição no Simples Nacional ou isenta.
A disposição acima transcrita deixa claro que a Receita Federal entende que a alocação de capital da sociedade optante do Simples em renda variável não equivale a participação no capital social que induz à exclusão do regime simplificado. Porque se entendesse vedada a compra de ações por Empresas optantes do Simples, a disposição do artigo 70, II da IN RFB n° 1.585/2015 se tornaria totalmente sem sentido.
Desse modo, parece correto diferenciar entre participação no capital social em caráter definitivo e notadamente com foco em participação em outras empresas (o que estaria claramente vedado pela legislação) e investimento em mercado de renda variável que não encontraria óbice, devendo ser tratado como uma aplicação financeira, calculada no ativo, segundo o item 26, da NBC TG 26 (Apresentação das Demonstrações Contábeis) e da NBC TG 48 (Instrumentos Financeiros).