A capacitação e aperfeiçoamento dos colaboradores, sejam eles empregados, estagiários ou terceirizados é benéfico para a empresa tomadora do serviço e sobretudo revela-se positivo para o beneficiário do auxílio concedido. No entanto, pairam dúvidas sobre a tributação dos valores.
Durante algum tempo vigorou o entendimento da Receita Federal que considerava tributável a bolsa de estudo com base numa leitura apressada dos artigos 3° e 6° da Lei n° 7.713/88. Entendia-se que os valores pagos para o estudo de colaborador caracterizaria remuneração disfarçada.
Alguns órgãos de fomento à Pesquisa passaram a conceder bolsa de estudo, revestindo a remuneração no regime do contrato de doação. Ao ser questionada, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional exarou o Parecer PGFN/CAJE no 593, de 31 de julho de 1990, anterior, portanto, à Lei no 8.958, de 1994, e ao Decreto no 5.205, de 2004, quando analisou as bolsas de estudo e pesquisas frente ao instituto da doação, assim dispôs:
“A bolsa de estudo ou pesquisa, será doação civil, negócio de liberalidade, desde que o pagamento feito pelo doador, atribuindo o encargo de realização da pesquisa ou de pesquisa não reverta o resultado economicamente para ele doador ou para pessoa interposta. Será doação, pois, o pagamento em pecúnia ou in natura, à pessoa, sob condição de que realize um curso acadêmico ou uma pesquisa para o domínio público, sem que o resultado do estudo ou da pesquisa seja aproveitado economicamente pelo doador. Ao contrário, se o resultado do estudo ou da pesquisa reverter ao doador, estar-se-á diante da relação de emprego contra salário”.
A questão veio a ser resolvida em 1995, com a edição da Lei n° 9.250/95 que dispôs sobre bolsa de estudo quando caracterizada como doação:
Art. 26. Ficam isentas do imposto de renda as bolsas de estudo e de pesquisa caracterizadas como doação, quando recebidas exclusivamente para proceder a estudos ou pesquisas e desde que os resultados dessas atividades não representem vantagem para o doador, nem importem contraprestação de serviços.
Parágrafo único. Não caracterizam contraprestação de serviços nem vantagem para o doador, para efeito da isenção referida no caput, as bolsas de estudo recebidas pelos médicos-residentes. (Incluído pela Lei nº 12.514, de 2011)
Parágrafo único. Não caracterizam contraprestação de serviços nem vantagem para o doador, para efeito da isenção referida no caput, as bolsas de estudo recebidas pelos médicos residentes, nem as bolsas recebidas pelos servidores das redes públicas de educação profissional, científica e tecnológica que participem das atividades do Pronatec, nos termos do § 1o do art. 9o da Lei no 12.513, de 26 de outubro de 2011. (Redação dada pela Lei nº 12.816, de 2013)
O Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n° 9. 580/2018), de seu turno, observou a disciplina da lei acima reproduzida quando estabelece que:
Art. 35. São isentos ou não tributáveis: (…)
VII – os seguintes rendimentos diversos:
(…)
a) as bolsas de estudo e de pesquisa caracterizadas como doação, quando recebidas exclusivamente para proceder a estudos ou pesquisas e desde que os resultados dessas atividades não representem vantagem para o doador nem importem contraprestação de serviços (Lei nº 9.250, de 1995, art. 26);
A Receita Federal do Brasil examinou a questão quando expediu a Solução de Consulta COSIT n° 9 de 23 de junho de 2015 reconhecendo que as bolsas de estudo são isentas de tributação. A Receita Federal faz uma ressalva sobre a não incidência da contribuição previdenciária sobre a bolsa no seguinte sentido:
Vê-se que a não incidência de contribuição previdenciária sobre os valores das bolsas concedidas nos termos da Lei no 8.958, de 1994, e do Decreto no 5.205, de 2004, decorre de sua não caracterização como remuneração por prestação de serviço, requisito primeiro para ser base de cálculo do tributo, conforme disciplina a Lei no 8.212, de 1991. Os dispositivos do Decreto revogado, portanto, apenas explicitavam o que já decorria (e continua decorrendo) da Lei de Custeio da Previdência Social, tratando de hipótese de não incidência tributária e não de isenção. n43. Levando essa sistemática para os casos concretos, é a verificação dos fatos específicos, o conteúdo probatório encontrado pela fiscalização que poderão revelar a incidência da contribuição quando caracterizada a natureza remuneratória da verba.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é unânime nesse sentido, valendo reproduzir os seguintes precedentes da 1ª e 2ª Turma:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. BOLSA DE ESTUDO. IMPOSTO DE RENDA. RECONHECIMENTO DE ISENÇÃO. ART. 26 DA LEI N. 9.250/1995. NECESSIDADE DE ANÁLISE DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. ACÓRDÃO FUNDADO EM LEGISLAÇÃO ESTADUAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 280/STF. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão de que incide imposto de renda sobre verbas recebidas a título de bolsas de estudo e/ou pesquisa quando houver contraprestação de serviços ou o resultado dos estudos e das pesquisas represente vantagem para o doador, uma vez que o art. 26 da Lei n. 9.250/1995 apenas afasta a incidência nos caso em que o recebimento se caracterize doação. 2. O Tribunal de origem, soberano na análise das provas, afirmou que não se obteve lucro ou qualquer vantagem financeira com o trabalho realizado. Para afastar o entendimento a que chegou a Corte a quo, de modo a albergar as peculiaridades do caso e verificar se houve lucro ou vantagem financeira, como sustentado neste recurso especial, é necessário o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que se mostra inviável em recurso especial, por óbice da Súmula 7/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.” 3. A análise da controvérsia posta demandaria o exame de legislação local, tendo em vista que o Tribunal de origem adotou como fundamento do decisum o Decreto estadual n. 2.872/2006. Tal circunstância torna inviável o acolhimento do recurso especial, consoante a aplicação analógica do enunciado n. 280 constante da Súmula do STF, que dispõe: “Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário.” 4. O óbice da Súmula 280/STF também incide nos casos em que o recurso especial é interposto com base na alínea “c”. Precedente: AgRg no REsp 1.286.388/MS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 15/5/2017.5. Recurso especial não conhecido. (REsp 1659867/TO, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/09/2018, DJe 14/09/2018)
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. BOLSA DE ESTUDO E DE PESQUISA. IMPOSTO DE RENDA. RECONHECIMENTO DE ISENÇÃO. ART. 26 DA LEI N. 9250/95. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DO ÓBICE PREVISTO NA SÚMULA 7/STJ. 1. Segundo a jurisprudência desta Corte, incide imposto de renda sobre verbas recebidas a título de bolsas de estudo e/ou pesquisa quando houver contraprestação de serviços ou o resultado dos estudos e das pesquisas represente vantagem para o doador. O art. 26 da Lei n. 9.250/95 apenas afasta a incidência nos caso em que o recebimento se caracterize doação. 2. O Tribunal a quo consignou, com base no acervo probatório dos autos, que as atividades desenvolvidas pelos participantes têm natureza de contraprestação de serviço, de forma que a discussão a respeito dos requisitos e pressupostos fáticos caracterizadores da verba recebida demandaria, necessariamente, novo o reexame de fatos e provas, procedimento vedado em sede de recurso especial, conforme Enunciado de Súmula nº 7/STJ. 3. Precedentes: AgRg no REsp 727.212/RN, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 30/11/2006; AgRg no REsp 1401068/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 19/12/2014. 4.Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1395069/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 25/09/2015)
Portanto, pode-se afirmar que a concessão de bolsa de estudo sem a reversão de benefício para o doador torna a verba isenta de tributação nos termos da legislação acima reproduzida. No entanto, quando o estudo ou a pesquisa configura um benefício ou vantagem para o doador, vigora o entendimento de que a bolsa adquire a natureza de remuneração pelo serviço prestado e portanto entra no campo de incidência do imposto de renda do donatário.